Nos últimos anos, o Estado brasileiro tem intensificado esforços para promover a transformação digital em todo o território nacional, visando democratizar o acesso a serviços públicos. Iniciativas como a Estratégia de Governo Digital (ENGD) têm desempenhado um papel central nesse processo, com um planejamento robusto de governança, o uso de aplicações institucionais e a incorporação de tecnologia nos processos do dia a dia. Essas ações reposicionaram o governo como um elo essencial para conectar instituições e integrar inovações ao cotidiano de cidadãos e servidores públicos.
Apesar dos avanços, a ENGD ainda enfrenta desafios significativos. O principal deles é a dificuldade em desenvolver estruturas virtuais e fomentar uma cultura voltada a práticas modernas de tecnologia. Segundo Leonardo Melo Lins, pesquisador do Think Tank da Associação Brasileira de Empresas de Software, apenas 27% dos órgãos públicos brasileiros conseguem processar dados e cargas de trabalho em ambientes de nuvem. Embora 64% desses órgãos disponham de algum tipo de armazenamento em nuvem, menos de 31% conseguem acessar esses recursos fora dos escritórios convencionais.
Essa baixa cobertura de serviços de nuvem, embora não inviabilize o uso de tecnologias emergentes como inteligência artificial (IA), aprendizado de máquina (machine learning), internet das coisas (IoT) e automação, limita o alcance e a profundidade das mudanças possíveis em ambientes que não são nativos de nuvem. Em outras palavras, os avanços recentes em transparência, velocidade e previsibilidade governamental enfrentam um obstáculo significativo: atender regiões e órgãos menores que muitas vezes carecem de planos tecnológicos para o médio e curto prazo.
Virtualização: desafios e oportunidades
Antes de abordar os desafios, é importante compreender o conceito de virtualização. Popularizadas nas décadas de 1990 e 2000, as Máquinas Virtuais (VMs) permitiram transferir o fluxo de informações de servidores físicos para ambientes de armazenamento digital, como datacenters, nuvens e até a computação de borda (edge computing). Por se comportarem de forma independente, as VMs aumentaram a produtividade em escritórios e criaram ambientes seguros para transmissão e refinamento de dados.
Historicamente, o Brasil esteve entre os pioneiros na adoção dessas tecnologias. Contudo, VMs tradicionais (ou legadas) apresentam limitações em termos de retenção e processamento de dados, especialmente frente à evolução contínua de softwares, ferramentas e metodologias. Muitas vezes, esses sistemas não suportam inovações mais recentes, exigindo ajustes estruturais abrangentes.
Realizar uma transição abrupta, sem um planejamento adequado, pode ser desastroso. Imagine, por exemplo, perder todos os registros de devedores da Receita Federal ou comprometer funcionalidades de secretarias locais. Esse é o principal desafio enfrentado pelos ambientes públicos hoje: expandir e modernizar a infraestrutura digital sem comprometer a segurança, os serviços existentes e os fluxos de trabalho de servidores e colaboradores.
De acordo com o Gartner, até 2026, 75% dos governos terão mais da metade de sua infraestrutura operando na nuvem e na computação de borda. Esse movimento não apenas acelerará transformações internas, como também preparará o terreno para tecnologias avançadas, como hiperautomação, inteligência artificial generativa (GenAI) e sistemas de tomada de decisão personalizada em tempo real.
Inovação circular: colocando a cultura no centro da transformação
O Governo Brasileiro já está avançando nessa direção. Em março, o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) lançou o Serpro Digital, uma plataforma projetada para acelerar a virtualização dos órgãos públicos, mantendo o acesso a sistemas legados. A plataforma permite integrar aplicações nativas de nuvem, utilizar ferramentas de IA e automação, além de oferecer ambientes de teste para adaptar serviços às necessidades de cada órgão.
Contudo, a adoção de novas tecnologias requer mais do que investimentos em infraestrutura. É necessário repensar a gestão de equipes, capacitar colaboradores e, principalmente, alinhar os valores das entidades públicas à transformação digital. Um estudo da McKinsey revelou que transições tecnológicas têm três vezes mais chance de sucesso quando lideranças assumem a dianteira e envolvem servidores no processo. Para isso, a consultoria propõe os 5 Cs como pilares da transformação:
- Compromisso das lideranças;
- Clareza nos propósitos e prioridades;
- Comunicação convincente;
- Capacidade para implementar mudanças;
- Cadência e coordenação na execução.
Em resumo, completar o ciclo da inovação exige tanto investimentos em tecnologia quanto esforços para aprimorar processos administrativos e interpessoais. Parcerias estratégicas, que forneçam não apenas soluções tecnológicas, mas também capacitação, roadmaps e consultoria personalizada, são fundamentais para o sucesso. Embora o caminho da transformação digital nem sempre seja linear, a persistência invariavelmente recompensa os esforços. Objetivos concretos e ações bem planejadas transformam desafios em conquistas e jornadas difíceis em experiências enriquecedoras.