Brasil desce cinco lugares no Ranking Global de Competitividade Digital com deterioração em todos os aspectos avaliados

O estudo avalia a habilidade e a preparação das economias globais para adotar novas tecnologias digitais que têm o potencial de influenciar a produtividade econômica, o crescimento dos países e das organizações

No Anuário de Competitividade Digital do IMD, que analisa 64 países e conta com a colaboração técnica do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral (FDC), o Brasil ocupa a 57ª posição, a mesma que ocupou em 2018 e 2019, e apresentou queda em todos os fatores em comparação ao ano anterior.

Os Estados Unidos reassumiram a liderança do Ranking, após terem perdido a posição no ano anterior, seguidos por Holanda (2º), Singapura (3º), Dinamarca (4º) e Suíça (5º). As últimas posições foram ocupadas por Botswana (60º), Argentina (59º), Colômbia (62º), Mongólia (61º) e Venezuela (64º).

Na Europa, apenas a Bulgária (55º) ficou entre os piores colocados, enquanto República Checa, Bélgica, Polônia e Holanda tiveram melhoras significativas na agenda para o digital, elevando os países em 9, 8, 7 e 4 colocações, respectivamente.

No continente asiático, Singapura manteve a liderança, enquanto a Índia (49º) perdeu 4 posições em relação ao ano passado, principalmente devido ao menor desempenho nos quesitos de tecnologia e preparo para explorar tecnologias digitais. Entre os 10 melhores classificados estão Singapura (3º), Coréia do Sul (6º), Taiwan (9º) e Hong Kong (10º).

Ainda na Ásia, a China (19º) teve destaques positivos em resultados do PISA em matemática, adoção de robôs, maturidade para cibersegurança e produtividade em publicações científicas, mas no resultado geral perdeu 2 posições. Além disso, entre os países de pior colocação estão as economias asiáticas Mongólia (63º) e Filipinas (59º).

Em resumo, o Anuário destaca a consolidação da América do Norte, Europa e Ásia no topo do ranking de competitividade digital, enquanto alguns países latino-americanos continuam em posições inferiores. Os resultados também mostram que os 10 melhores e 10 piores países colocados, com exceção dos Estados Unidos e Holanda, tiveram piora em seus resultados de indicadores para a transformação digital.

Os resultados indicam que o desenvolvimento e a adoção de tecnologias digitais estão aumentando cada vez mais a distância entre os países no topo e na base do ranking. Por isso, o ranking de competitividade digital enfatiza a importância de um maior envolvimento dos setores público e privado na agenda de construção de uma nação digital, devido à complexidade e à necessidade de cooperação para superar desafios.

explica Hugo Tadeu, diretor do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da FDC.

O Brasil

O Brasil teve alguns destaques positivos, como os gastos totais com educação pública (12º), a representatividade feminina em pesquisas científicas (17º), a produtividade em pesquisas de P&D (7º), a robótica em educação e P&D (17º) e o uso de serviços públicos online pela população (11º).

No entanto, a experiência internacional da força de trabalho (63º), as habilidades tecnológicas (62º) e as estratégias de gestão das cidades para apoiar o desenvolvimento de negócios (61º) estão entre os piores resultados do Brasil.

A tabela abaixo permite visualizar o cenário brasileiro e identificar quais indicadores contribuíram para o desempenho do país.

Fonte: adaptado de IMD World Digital Competitiveness Ranking 2023

O Brasil continua se sobressaindo no total de gastos públicos em educação (12º), acumulando R?84 bilhões em 2022, um aumento em relação aos R?76,3 bilhões em 2021. No campo da pesquisa científica, o país se destaca pela proporção de pesquisadoras mulheres em relação ao mundo (17º) e pela eficiência na produção de publicações em relação ao valor investido em pesquisa e desenvolvimento (7º). O uso de robôs em educação e pesquisa também é um ponto forte do Brasil, que ocupa a 17ª posição mundial nesse quesito.

Quanto ao uso de serviços online que facilitam a interação do público com o governo, o Brasil ocupa a 11ª posição. Esse destaque pode ser atribuído aos 140 milhões de usuários da plataforma GOV.BR, que representam 80% da população brasileira acima de 18 anos, de acordo com os dados da pesquisa do Banco Mundial sobre maturidade digital dos governos.

Os pontos fortes do Brasil estão principalmente concentrados no subfator “concentração científica”. No entanto, para avançar na transformação digital, governo e empresas precisarão investir e construir uma agenda coordenada para enfrentar os desafios atuais.

O que o Brasil precisa melhorar?

Foco 1: Financiamento para Desenvolvimento Tecnológico e Capital de Risco

Um financiamento adequado estabelece um ambiente favorável para acelerar o desenvolvimento tecnológico, catalisando a transformação digital em vários setores, tornando-se assim essencial para que o Brasil possa melhorar sua competitividade digital.

No entanto, a disponibilidade de capital para investimentos de risco e o desenvolvimento tecnológico estão entre os indicadores mais baixos do Brasil em comparação com outros países.

Por outro lado, o planejamento e o compromisso com o investimento em tecnologia têm se intensificado nos países com maior competitividade digital. Singapura (3º), desde a criação de seu plano para a economia digital em 2014, aumentou seus investimentos em 10% entre 2020 e 2022 e diversificou suas iniciativas, como a criação de programas de investimento e infraestrutura para startups em 2017 e o lançamento de centros de excelência em inteligência artificial em parceria com instituições e empresas em 2023.

Além disso, diante do cenário brasileiro favorável à concentração científica e desfavorável ao investimento em desenvolvimento tecnológico, iniciativas de cooperação entre a atividade empresarial e científica surgem como oportunidades para aumentar a competitividade digital do país. O Ranking de Clusters Tecnológicos elaborado pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual em 2023 indica que os Estados Unidos (1º), Reino Unido (20º), Coreia do Sul (6º), Hong Kong (10º) e China (19º) concentram 80% dos 20 melhores polos tecnológicos do mundo.

Portanto, a estruturação de hubs e polos tecnológicos em parcerias público-privadas e acadêmicas-empresariais representa uma oportunidade para uma agenda de transformação digital no Brasil.

Foco 2: Ambiente Regulatório

Apesar da aprovação do Marco Legal das Startups e da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, é necessário avançar na modernização do framework regulatório brasileiro para estabelecer leis adequadas às necessidades e especificidades do contexto de desenvolvimento tecnológico contínuo.

A adoção de tecnologias digitais traz novos dilemas e complexidades que não estão totalmente cobertos pelo ambiente regulatório atual, como a existência de vieses discriminatórios em algoritmos de processamento, direitos de imagem para uso em imagens geradas por IA generativa e novos ativos digitais que não estão sujeitos à intermediação de órgãos existentes.

Leis e regulamentos importantes que precisam ser abordados no Brasil estão sendo formulados e aprovados em países que se destacaram no Ranking de Competitividade Digital. Nos Estados Unidos (1º colocado), o governo aprovou, no último ano, a regulação de criptomoedas para proteger o consumidor e garantir a estabilidade financeira, bem como orientar estudos sobre a viabilidade do dólar digital. No contexto de cibersegurança, a Holanda (2º colocado) vem avançando uma agenda internacional com o fortalecimento de uma embaixada e da diplomacia para a cibersegurança.

Foco 3: Uso de Big Data e Analytics

De acordo com o Fórum Econômico Mundial, espera-se que 74% das organizações adotem inteligência artificial (IA) em seus negócios até 2027, principalmente devido ao avanço da popularização da IA com capacidade de processamento de linguagem natural.

Nesse cenário, o uso de IA e analytics, a partir do Big Data, surge como ferramentas com inúmeras aplicações para aumentar a competitividade de empresas e economias, desde a transformação completa de processos, como a oferta de produtos e serviços que têm a inteligência artificial como núcleo da proposta de valor.

No Brasil, é necessário construir uma agenda com maiores esforços para avançar nessa pauta. Em uma pesquisa realizada entre a Fundação Dom Cabral e a PwC, a inteligência artificial apresentou baixa maturidade no contexto empresarial, com apenas 10% dos executivos mencionando iniciativas com essa tecnologia.

Nesse contexto, iniciativas como a do governo belga (15º colocado) de desenvolvimento de plataforma de dados públicos para empresas incentivam o uso e aplicação de dados no contexto empresarial.

A Holanda (2º) também ampliou seus investimentos em inteligência artificial com a alocação de 116,5 milhões de euros para os 7 hubs estabelecidos para conectar stakeholders em projetos de IA pelo Fundo Nacional de Crescimento.

Foco 4: Habilidades para o Digital

As macrotendências digitais alteram drasticamente as habilidades necessárias para que as empresas permaneçam competitivas e operantes no cenário de transformação digital. Segundo a pesquisa realizada pela Fundação Dom Cabral com o Fórum Econômico Mundial, em 2023, sobre o Futuro do Trabalho, estima-se que, no Brasil, 44% das habilidades dos trabalhadores sejam alteradas nos próximos 5 anos e que 60% da atual força de trabalho necessite de treinamentos.

Dessa forma, as empresas devem adotar uma agenda para aprimorar competências existentes (upskilling) e adquirir competências totalmente novas (reskilling), para que possam operar no novo contexto de transformação digital.

Nesse aspecto, a adoção de educação digital no currículo escolar vem sendo realizada por países que se destacaram no Ranking. A Holanda (2º colocado) criou um plano mestre de mapeamento de competências e deficiências para o digital e está adotando reformas gerais na alfabetização digital. O governo da República Tcheca, que subiu 9 colocações no Ranking, incorporou a educação digital no currículo das escolas do país e criou um departamento para fortalecer programas de cooperação entre instituições de ensino, empresas e governo para cursos de aprendizado ao longo da vida.

Portanto, a educação digital se apresenta como um dos pilares essenciais, não apenas para que a base da população seja capaz de ingressar no mercado de trabalho, mas também para que a atual força de trabalho seja capaz de atender às novas necessidades do contexto de transformação digital.

Foco 5: Talentos

O Brasil ficou na última posição em relação a Talentos, com destaque para o menor desempenho dos indicadores relacionados à experiência internacional de gestores seniores, presença de mão de obra estrangeira qualificada e estratégias de gestão de cidades para o desenvolvimento de negócios.

A análise do fator deve ser compreendida no contexto atual de aumento da competitividade por mão de obra qualificada entre países de alta e baixa renda, conforme destacado no Índice Global de Competitividade de Talentos elaborado pelo Insead em 2023. O relatório ainda ressalta a importância das cidades em reter talentos em suas comunidades, diante da continuidade do êxodo rural, com projeções para 70%, em 2030, em todo o mundo.

Em busca de tornar suas cidades mais atrativas, Singapura (3º) incluiu, em sua estratégia para o digital Smart Nation, a pauta de smart city, com ações para a autonomização dos veículos da cidade, adoção de tecnologias avançadas e IOT para gestão da cidade e investimento no centro comercial financeiro da cidade-estado.

Portanto, iniciativas como a de Singapura sugerem a importância e a necessidade de ações para que as cidades brasileiras sejam atrativas para o estabelecimento de negócios e atração de talentos.

Sobre o ranking mundial de competitividade digital

O Ranking está em sua sétima edição. Em 2023, 64 países foram analisados, incluindo o Kuwait como nova economia em estudo. Ele permite monitorar e analisar os progressos e retrocessos dos países na agenda de transformação digital ao longo desses anos, auxiliando governos e empresas a identificar áreas estratégicas para concentrar seus recursos e a determinar as melhores práticas ao iniciar o processo de transformação digital.

Metodologia

A avaliação da competitividade digital é baseada em 3 fatores: conhecimento, tecnologia e prontidão para o futuro. Cada fator possui 3 subfatores que são medidos a partir de indicadores específicos.

No total, são 54 indicadores distribuídos entre os subfatores e medidos a partir da coleta de dados estatísticos em fontes nacionais e internacionais e de uma pesquisa de opinião com executivos e especialistas. No Brasil, a pesquisa de opinião é conduzida pelo Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral (FDC), que obteve respostas de mais de 100 executivos brasileiros de diferentes setores, regiões e tamanhos de empresas, com o objetivo de obter uma representação geral do país. Globalmente, a pesquisa para o anuário 2023 contou com a contribuição de mais de 6.400 executivos nos 64 países pesquisados.

Deste total, 34 indicadores foram medidos a partir de dados estatísticos e 20 indicadores foram medidos a partir da pesquisa com executivos. A nota de cada subfator é formada pela análise agregada dos resultados dos respectivos indicadores, considerando um peso de 2/3 dos indicadores de dados estatísticos e 1/3 dos indicadores da pesquisa de opinião.

É importante destacar que os subfatores não possuem a mesma quantidade de indicadores, uma vez que os subfatores podem exigir uma quantidade de indicadores diferentes para acessar o resultado. Por exemplo, “treinamento e educação” exigem a análise de mais indicadores comparados ao subfator “integração de TI”, devido à complexidade envolvida.

A partir dos resultados dos subfatores, é calculado o resultado dos fatores e do ranking geral, considerando subfatores com pesos iguais. Esse cálculo final considera que o melhor colocado possui nota máxima e os resultados dos demais são linearizados, permitindo comparações entre os países.

O que é Competitividade Digital?

Competitividade digital é a habilidade de adotar e explorar tecnologias digitais que conduzem à transformação nas práticas governamentais, nos modelos de negócios e na sociedade em geral. Assim, entende-se que a transformação digital ocorre no nível das organizações públicas e privadas, bem como no âmbito do governo e da sociedade. A avaliação da competitividade digital é baseada em três fatores principais que se desdobram em subfatores, conforme descrito a seguir:

Fator 1: Conhecimento. Infraestrutura intangível necessária para a aprendizagem e descoberta de novas tecnologias. Este fator considera os seguintes subfatores:

  • Talento: desenvolvimento e atração de talentos, considerando possíveis experiências internacionais, atração de profissionais estrangeiros e desenvolvimento de habilidades digitais.
  • Treinamento e Educação: resultados de exames nacionais, capacitação corporativa, investimentos em educação e equidade de gênero no ensino superior.
  • Concentração científica: capacidade de pesquisa e desenvolvimento para promoção da inovação, incluindo impactos na produtividade, inclusão de gênero, patentes e uso de robôs.

Fator 2: Tecnologia. As condições gerais que possibilitam o desenvolvimento de tecnologias digitais. Este fator considera os seguintes subfatores:

  • Ambiente Regulatório: legislação para abertura de negócios e imigração de profissionais e incentivos à pesquisa e inovação.
  • Capital: acesso, disponibilidade e investimento em infraestrutura e desenvolvimento tecnológico e de novos modelos de negócios.
  • Contexto Tecnológico: infraestrutura tecnológica, levando em consideração assinantes de banda larga móvel, banda larga sem fio, usuários de internet, velocidade de internet e exportações de manufaturas high-tech.

Fator 3: Prontidão para o Futuro. O nível de preparo para explorar transformações digitais. Este fator considera os seguintes subfatores:

  • Atitudes adaptativas: flexibilidade para atuar no contexto digital por empresas e governo, considerando o comércio digital, uso de serviços públicos de forma digital e uso de tecnologias como tablets e smartphones.
  • Agilidade empresarial: capacidade das empresas e governos em responderem de forma rápida e eficaz às ameaças emergentes e aproveitar as novas oportunidades de mercado.
  • Integração de TI: eficácia da integração da tecnologia da informação na administração pública e nas parcerias público-privadas, considerando segurança e privacidade.

Ao compreender os itens acima, os governos e organizações podem criar agendas estratégicas e propostas de valor que constituem a transformação digital, identificando lacunas e oportunidades em busca de uma agenda de longo prazo minimamente viável.

Pesquisadores responsáveis pela Ranking no Brasil

  • Carlos Arruda: Professor Associado do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo, Doutorado em Administração Universidade de Bradford, Inglaterra.
  • Hugo Tadeu: Diretor do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo, Pós-doutor pela Sauder School of Business, Canadá.
  • Rodrigo Penna: Pesquisador do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo, Mestrando em Administração pela FDC.
  • Bruna Diniz: Pesquisadora do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo, Graduanda em Economia pela UFMG.

Considerações Finais

Os dados do Ranking Mundial de Competitividade Digital são claros. Os países nas melhores posições no estudo estão avançando significativamente na promoção de novos talentos, destacando o importante papel das universidades, pesquisas científicas, adoção de robótica e temas do universo das novas tecnologias digitais. Como resultado, há um impacto importante na produtividade e crescimento econômico. Além disso, a criação de projetos estratégicos de longo prazo para esses países tem gerado um impacto importante, distanciando as principais nações de todo o mundo na corrida pela agenda digital.

No caso específico do Brasil, os desafios são significativos. Basicamente, sugere-se a necessidade da criação de um plano estratégico de longo prazo, tanto na perspectiva do governo quanto das organizações. Temas relacionados às necessidades de financiamento para o desenvolvimento tecnológico, revisão do ambiente regulatório, uso adequado de dados, formação de equipes com novas habilidades para o digital e novos talentos estão na pauta. Ou seja, o foco deveria estar na formação de capital humano, antes do potencial uso de tecnologias digitais (as experiências internacionais e os casos de sucesso dessas nações são relevantes para aprendizado).

Finalmente, é urgente pensar em talentos e na formação de pessoas para a transformação digital. Entre os temas importantes para uma agenda de desenvolvimento, estão a revisão dos resultados de rankings internacionais como o teste de PISA, a demanda por maior inserção internacional e por publicações científicas, o aumento de gastos nas agendas de treinamento de empregados, uma revisão na legislação para novos negócios, redução dos custos de capital para incentivar o digital e a busca por novos modelos de negócios ágeis.

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