Não é novidade para ninguém que a chegada e aperfeiçoamento da Inteligência Artificial (IA) estremeceu as certezas postas pela indústria e pelo mercado de tecnologia. O sistema híbrido de nuvem, aplicações específicas e microsserviços otimizadores de tarefas do passado, antes tidos como o ápice da modernidade, deram lugar para uma geração de soluções voltadas para a IA como aprendizado de máquina (Machine Learning), GenIA (Inteligência Artificial Generativa) e LLMs (Large Language Models). Mas até que ponto essa mudança de paradigma de inovação é saudável para o setor público?
Certamente, o desenvolvimento de serviços mais interativos e processos mais ágeis são desejáveis para equipes de TI e esperados por contribuintes em todo país; em tempo, será que o custo de adesão da IA é compatível com o planejamento de agências governamentais? De acordo com o Hype Cycle elaborado pela consultoria Gartner no ano passado, a maioria das novidades relacionadas ao universo da Inteligência Artificial ainda se encontra no quadrante “pico de expectativas infladas”, o que significa que esses recursos ainda devem passar por um longo processo de maturidade antes de se tornarem ferramentas viáveis para a maioria dos ambientes de trabalho.
Isso não significa, no entanto, que certos órgãos possam investir nessas tecnologias disruptivas e colher resultados promissores. O impasse, de acordo com vários especialistas, encontra-se em equilibrar o grau de capitalização de inovações e as expectativas de curto e médio prazos. A depender do escopo e da finalidade do projeto, com o uso de soluções já presentes do mercado é possível atender às demandas de inovação sem comprometer o orçamento ou criar desentendimentos entre áreas. O mesmo vale para as emergentes ferramentas de IA: será que não podemos revolucionar nossas dinâmicas e criar serviços e produtos de ponta a partir de recursos já disponíveis?
Primeiros passos da jornada de tecnologia
De antemão, o desafio mais comum encontrado por setores, equipes e gestores de tecnologia é responder a uma simples pergunta: o que buscamos inovar? Pode parecer uma pergunta trivial, mas para muitas organizações ainda existem muitas dúvidas sobre qual o potencial de transformação da Inteligência Artificial e que tipo de investimento deve ser realizado nos
próximos anos no intuito de aperfeiçoar serviços e otimizar processos. Na maioria dos projetos, ou melhor, das intenções setoriais, a implementação da IA não terá um impacto imediato no ambiente de trabalho e representa um preço de aquisição maior do que outras tecnologias.
Conforme um levantamento recente da consultoria McKinsey demonstra, nem sempre o investimento em larga escala em IA traduz-se na redução de custos e no aumento de eficácia para empresas. Apesar dos grandes avanços da disciplina na área de captação de dados, automação de tarefas e suporte criativo para equipes, o cálculo de financiamento com tecnologia e treinamento de colaboradores não é compatível com as expectativas tampouco
correspondentes aos ganhos de produtividade. Não é por caso que a maioria das 1.363 organizações que participaram da pesquisa destina, no máximo, 5% de seu orçamento a esforços de inteligência artificial.
Do outro lado da moeda, soluções que até então eram vistas como distantes de grande parte das agências governamentais tornaram-se mais comuns nos processos diários, por exemplo, a interoperabilidade entre sistemas, o barramento com ambientes de nuvem e edge computing (computação de borda) e o uso de ferramentas disruptivas para automatizar processos e criar
serviços mais inovadores aos contribuintes O resultado desses investimentos proporcionou a criação de gestões mais técnicas e transparentes cujos esforços se incorporam em aplicativos modernos e intuitivos, a exemplo do ambiente Gov.br, que expandem as prestações de contas e aumentam a participação cidadã na vida pública.
Assim, a depender do estágio da jornada em que cada prefeitura, secretaria e instância de governo se encontra é preferível transpor tecnologias mais consolidadas do que dispor de soluções ainda em maturação. E novamente, isto não é um impeditivo para projeção de iniciativas mais experimentais e longevas cujos resultados, muitas vezes, demoraram anos para serem colhidos. Trata-se de apenas de encarar o investimento de tecnologia de forma pragmática e estratégica, encontrando as melhores escolhas para etapas presentes, futuras e desejáveis para setores e equipes atualmente.
Open Source: companheiro de todas as horas
Se todo o financiamento e desenvolvimento de tecnologia passará por esferas administrativas, burocráticas e, sobretudo, culturais de um órgão antes de se efetivarem em ações concretas, a escolha pelo código aberto não precisa de nenhuma análise prévia. Considerado essencial para o funcionamento de maior parte das aplicações em computadores, celulares e Data Centers modernos, o open source é um dos formatos mais indicados para o desenvolvimento de estruturas e soluções de maneira ágil e produtiva e o estabelecimento de maturidade digital de organizações a partir de boas práticas internacionais.
Segundo um estudo sobre a efetividade da modalidade publicado na Harvard Business School afirma que ela movimenta cerca de US$ 8,8 trilhões (quase quatro vezes o PIB brasileiro em 2023) em valores de tecnologia e mão de obra especializada, graças a uma ativa comunidade de desenvolvedores e entusiastas técnicos. Ainda de acordo com os autores, os esforços para inovar, democratizar, padronizar soluções ao redor do globo tornaram a metodologia aberta uma grande aliada de negócios, empresas e organizações de todos os tamanhos, oferecendo opções gratuitas para qualquer tipo de demanda, inclusive para a IA. Contudo, por representar uma enciclopédia de softwares e ferramentas, muitos podem se perder entre as riquezas dessa mina de ouro.
É por isso que, nos últimos anos, a área vem se dividindo entre as soluções
para pessoas físicas e organizações comerciais e públicas. Afinal, os objetivos
de um programador nem sempre são os mesmos de uma estrutura governamental, tampouco refletem as necessidades de capacitação, treinamento e desenvolvimento de tecnologias ao longo e médio prazo. Em tempo, a escolha de perseguir o melhor caminho, seja gratuito ou empresarial, é o que torna a prática uma preciosa companheira em qualquer etapa da jornada tecnológica. De grandes mudanças a pequenos aperfeiçoamentos, o código aberto é a chave para levar estruturas públicas à próxima etapa.