A essência do Kernel Linux 6.16: Linus Torvalds e a filosofia do ‘desativado por padrão’ para o DAMON

Linus Torvalds reverte ativação padrão do DAMON no Kernel Linux 6.16, reafirmando sua filosofia de 'não por padrão' para novas funcionalidades!

Por
Emanuel Negromonte
Emanuel Negromonte é Jornalista, Mestre em Tecnologia da Informação e atualmente cursa a segunda graduação em Engenharia de Software. Com 14 anos de experiência escrevendo sobre...
Linus Torvalds reverte ativação padrão do DAMON no Kernel Linux 6.16, reafirmando sua filosofia de design minimalista e modular.

Uma decisão recente de Linus Torvalds acende um debate fascinante sobre a filosofia de desenvolvimento do Kernel Linux. O criador do Linux reverteu um patch que ativaria o DAMON (Data Access Monitoring) por padrão na próxima versão 6.16, reafirmando sua postura rigorosa sobre a inclusão de funcionalidades por default.

O DAMON é uma ferramenta sofisticada de monitoramento de acesso a dados, projetada por engenheiros da Amazon e outras entidades, com o objetivo de melhorar a eficiência de uso da memória e a performance do sistema. Embora tenha ganhado tração nas comunidades de infraestrutura em nuvem, distribuições empresariais e até em projetos como o Android, a tentativa de torná-lo padrão no Kernel encontrou um obstáculo intransponível: a filosofia de Linus Torvalds.

Após o patch com a diretiva CONFIG_DAMON=y ter sido mesclado, Linus interveio pessoalmente e reverteu a mudança. Neste artigo, exploramos os argumentos a favor da ativação por padrão, a justificativa de Linus para a reversão e as implicações dessa decisão para o futuro e a filosofia de design do Kernel Linux.

DAMON: a ferramenta de monitoramento de acesso a dados

Propósito e otimização

O DAMON é um framework embutido no Kernel Linux que permite aos subsistemas monitorar o padrão de acessos a regiões da memória RAM de forma eficiente e com baixa sobrecarga. Em vez de monitorar todas as páginas de memória constantemente (o que seria proibitivo), o DAMON usa uma abordagem inteligente e probabilística, identificando regiões frequentemente acessadas (hot) e regiões frias (cold).

Esse comportamento é valioso para:

  • Gerenciamento inteligente de memória, descarregando páginas pouco acessadas;
  • Compactação de memória e swap out seletivo;
  • Otimizações para ambientes HPC (High-Performance Computing) e cloud computing, onde o uso eficiente da memória afeta diretamente o desempenho.

Quem usa o DAMON?

Várias grandes organizações e distribuições já integram ou planejam integrar o DAMON:

  • Amazon: principal contribuinte do projeto;
  • AlmaLinux, CentOS, Debian, Fedora e Oracle Linux: já consideram ou implementam o recurso;
  • Android: algumas versões do kernel otimizadas para dispositivos móveis começaram a integrar DAMON.

A batalha pela ativação padrão: argumentos e reversão

A justificativa para ativar por padrão (default y)

Desenvolvedores que propuseram o patch argumentaram que ativar o CONFIG_DAMON=y traria vários benefícios:

  • Facilidade de uso: permitiria que usuários e distros aproveitassem o DAMON sem recompilar o kernel ou configurar manualmente.
  • Baixo risco: o DAMON permanece inativo até ser explicitamente chamado por outras ferramentas ou usuários.
  • Impacto insignificante no tamanho: o overhead seria inferior a 0.1% do tamanho total do kernel.
  • Custo-benefício positivo: os ganhos em produtividade, testes e experimentação superariam eventuais riscos.

A intervenção de Linus Torvalds

Apesar de o patch ter sido aceito inicialmente, Linus reverteu a mudança por meio do commit:

commit 28615e6eed152f2fda5486680090b74aeed7b554
Author: Linus Torvalds
Message: No, we don’t make random features default to being on.

“Não, não ativamos recursos aleatórios por padrão.” — essa foi toda a justificativa escrita por Linus Torvalds, mas com um peso histórico e filosófico gigantesco.

A filosofia de Linus: o que deve ser padrão no kernel?

A regra do “não por padrão, a menos que…”

A decisão de Linus Torvalds não foi apenas técnica, mas profundamente filosófica. Ele sustenta, há décadas, que o Kernel Linux deve ser o mais enxuto, previsível e configurável possível por padrão. Novos recursos não devem ser ativados automaticamente, a menos que:

  • Sejam amplamente úteis para a maioria dos usuários;
  • Não exijam configurações adicionais para serem eficazes;
  • Sejam cruciais para a operação estável do sistema.

Essa abordagem evita transformar o kernel em um conglomerado inchado de funcionalidades mal testadas, o chamado “kernel bloat”.

Evitando dívida técnica e inchaço

Ativar funcionalidades por padrão implica em:

  • Maior carga de testes e manutenção;
  • Aumento do tamanho binário do kernel;
  • Possível conflito com drivers ou sistemas de inicialização que não estejam preparados.

Ao manter o DAMON desativado por padrão, Linus evita que um recurso não essencial crie uma dívida técnica de longo prazo para os mantenedores do kernel.

Impacto da decisão: DAMON desativado por padrão

Status atual

A configuração CONFIG_DAMON foi revertida para n (desativado) no Git oficial do Kernel Linux e assim permanecerá pelo menos até o Linux 6.16-rc2.

Para usuários e distribuições

Distribuições que quiserem utilizar o DAMON precisarão:

  • Ativar manualmente a flag CONFIG_DAMON=y no menu de configuração do kernel (make menuconfig);
  • Garantir que qualquer script ou sistema de gerenciamento de memória que dependa do DAMON seja configurado separadamente.

Alinhamento com a filosofia do kernel

A reversão reafirma o posicionamento clássico do projeto: funcionalidades não essenciais exigem ativação explícita, respeitando a modularidade e previsibilidade do sistema base.

Conclusão: a vigilância constante de Linus sobre o kernel

A reversão da ativação padrão do DAMON por Linus Torvalds é mais do que uma simples mudança de configuração. Ela é um lembrete poderoso da vigilância constante exercida por Linus sobre cada linha de código que entra no Kernel Linux.

Sua filosofia de ‘não por padrão’ assegura que o núcleo do Linux continue enxuto, estável e voltado ao essencial. Isso protege usuários, distros e desenvolvedores de complexidades desnecessárias e garante que cada recurso ativamente utilizado tenha sido conscientemente habilitado.

Entender essas decisões é fundamental para todo usuário e desenvolvedor Linux.

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Emanuel Negromonte é Jornalista, Mestre em Tecnologia da Informação e atualmente cursa a segunda graduação em Engenharia de Software. Com 14 anos de experiência escrevendo sobre GNU/Linux, Software Livre e Código Aberto, dedica-se a descomplicar o universo tecnológico para entusiastas e profissionais. Seu foco é em notícias, tutoriais e análises aprofundadas, promovendo o conhecimento e a liberdade digital no Brasil.
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