O que aconteceu com os programas eMule e eDonkey que reinaram antes dos torrents?

Antes de reinarem absolutos, os torrents tiveram concorrentes de peso na internet que se iniciava. Os programas de P2P eram a verdadeira febre. Por meio de progrmas como eDonkey e eMule era possível baixar os mais diversos conteúdos de audiovisual, inclusive gerando grandes disputas em torno de direitos autorais com a forte indústria do entretenimento. E foi exatamente isso o que levou ao fim de muitos desses serviços, com criadores e usuários punidos em várias partes do planeta.

O ‘eDonkey’ não tinha como base as redes de compartilhamento de arquivos disponíveis na época (como o FastTrack, usado pelo também mítico Kazaa, ou sua principal alternativa, Gnutella), mas vinha com uma rede própria (chamada eDonkey, sem o ‘2000’) e com seu próprio protocolo, o ‘ed2k://’.

Embora, ao contrário da rede BitTorrent que surgiria depois, o eDonkey ainda fosse semi-centralizado (a conexão usuário a usuário era facilitada por um servidor), tinha a vantagem de não ter nada remotamente parecido com um servidor central: havia vários disponíveis e qualquer interessado em iniciar um poderia fazê-lo sem muito incômodo.

Clones, redes e protocolos

O que aconteceu com os programas eMule e eDonkey que reinaram antes dos torrents?

Como sempre acontece nestes casos, com sucesso, começaram a surgir variantes, muitas delas open source, todas capazes de utilizar a mesma rede eDonkey que o original. Um deles, aquele que acabaria por assumir o trono, era eMule (‘mula eletrônica’ versus eDonkey, ‘burro eletrônico’). Este programa nasceu em 13 de maio de 2002 como um projeto pessoal de ‘Merkur’ (aka Hendrik Breitkreuz), mas rapidamente 7 outros desenvolvedores se juntaram ao projeto, e em 4 de agosto daquele ano já haviam lançado o primeiro executável.

A rede eDonkey tinha problemas de layout que a tornavam menos eficiente e segura do que seus criadores MetaMachine pretendiam. Então, a empresa foi trabalhar em um novo software chamado para suceder eDonkey, que também implementaria uma nova rede: Overnet. Durante dois anos (2004-2006), coexistiram os novos Overnet e eDonkey2000 (com suporte também para a rede Overnet).

O Projeto eMule também implementou suporte para esta rede, trabalhando por conta própria: Kad, que, como Overnet, foi sua própria implementação do protocolo Kademlia. Neste ponto, um Overnet vs. eMule para ver quem surgiria como o sucessor legítimo do eDonkey2000, mas a competição foi abortada devido ao não comparecimento de um dos contendores.

O que aconteceu com os programas eMule e eDonkey que reinaram antes dos torrents?

27 de junho de 2005. Sam Yagan e Jed McCaleb, sócios da MetaMachine e co-criadores do eDonkey, aguardam a decisão da Suprema Corte dos EUA no caso ‘Metro-Goldwyn-Mayer Studios vs. Grokster’. Grokster era então um dos principais rivais da eDonkey e a indústria audiovisual conseguiu colocá-los no banco de réus.

Em cima da mesa, um argumento claro, de que seus criadores não poderiam confiar em “como os usuários usam este programa depende deles”, porque a intenção do software de facilitar a ‘atividade ilegal’ era clara. Finalmente, saiu a sentença: o tribunal havia ‘comprado’ os argumentos das gravadoras e produtoras de filmes. 

McCaleb olha para seu parceiro e diz: “Se eu apertar este botão, fechamos o site. O que você quer fazer?” Yagan perguntaria retoricamente, meses depois: “O que você faz quando a Suprema Corte destrói seu negócio?”. Eles decidiram não fechar tudo, tentariam negociar com a indústria para ‘reinventar’ o eDonkey.

Não adiantou nada: 2006 começou com a notícia de que os servidores Razorback2, os mais populares da rede eDonkey, haviam sido fechados pela polícia belga. Nesse mesmo ano, Yagan e McCaleb assinaram um acordo para pagar 30 milhões de dólares de indenização e fechar as portas da eDonkey2000 e da Overnet. Os usuários do primeiro começaram a ver o programa anunciando “o fim do eDonkey2000” e fechando e desinstalando automaticamente.

A mula sobreviveu

Os usuários não se conformaram: para burro morto, colocaram a mula. Dentro de cinco anos de seu lançamento, o eMule seria baixado 300 milhões de vezes. O novo software, junto com outros já extintos como aMule, Lphant, MLDonkey e Shareaza, manteriam a antiga rede de servidores do eDonkey funcionando, mas parecia que a era do burrito havia acabado e que a era do torrent descentralizado havia chegado. A última versão oficial do eMule, 0.50a, foi lançada em 2010 e o programa e sua rede acabaram desaparecendo.

No entanto, uma rápida olhada em seus fóruns na web (que nunca fecharam e ainda estão abertos hoje) mostraria que, embora reduzido a alguns milhares de fãs hardcore, sua comunidade ainda estava ativa e novas séries, filmes e álbuns de música continuaram ingressar na antiga rede eDonkey (que, apesar de ainda usar o ‘ed2k://’ , já era conhecida como ‘rede eMule’). Felizmente, esse instalável lançado em 2010 ainda era compatível com as versões mais recentes do Windows, então eles continuariam a usá-lo ‘enquanto durasse’ .

E de repente, sem ninguém esperar, em setembro de 2020, mais de uma década depois, os fóruns do eMule ecoaram o lançamento de uma nova versão do eMule, 0.60a. Se dermos uma olhada na web, veremos que agora ela diferencia entre a ‘versão oficial’ (ainda ‘fossilizada’ em 0.50a) e uma ‘versão da comunidade’, que é “baseada na última versão oficial estável ou beta, mas contém recursos adicionais e correções de bugs feitos pela comunidade e é mantido pelo fox88 .”O site nos recomenda escolher o último “se você priorizar uma versão mais atualizada”. Nos últimos dois anos já atingiu a versão 0.60d, então, todo o trabalho continua.

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Jornalista com pós graduações em Economia, Jornalismo Digital e Radiodifusão. Nas horas não muito vagas, professor, fotógrafo, apaixonado por rádio e natureza.
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