Richard Stallman critica invasão de privacidade

Richard Stallman

Um dos pais do software livre, Richard Stallman, está na Espanha dando uma série de palestras. Em um dos intervalos, ele foi ouvido pela equipe do jornal El País e concedeu uma longa entrevista.  Segundo o periódico espanhol, Stallman está lá para difundir o software livre. Richard Stallman critica duramente a invasão de privacidade dos cidadãos.

Stallman x Linus

Stallman é o pai do projeto GNU, em que está o primeiro sistema operacional livre, que surgiu em 1983. Desde os anos noventa funciona com outro componente, o Kernel Linux, de modo que foi rebatizado como GNU/Linux. E é neste ponto que o jornal levanta a grande polêmica. “Muitos, erroneamente, chamam o sistema somente de Linux.”, se queixa Stallman.

Sua rivalidade com o finlandês Linus Torvalds, fundador do Linux, é conhecida: o acusa de ter levado o mérito de sua criação conjunta, nada mais nada menos do que um sistema operacional muito competitivo cujo código pode ser utilizado, modificado e redistribuído livremente por qualquer pessoa. Além disso, o desenvolvimento teve a contribuição de milhares de programadores de todo o mundo.

A verdade é que o revolucionário movimento do software livre foi iniciado por Stallman. O programador, que estudou Física em Harvard e se doutorou no MIT, bem cedo foi apanhado pela cultura hacker, cujo desenvolvimento coincidiu com seus anos de juventude. O software livre e o conceito de copyleft (em contraposição ao copyright) também não seriam os mesmo sem esse senhor risonho de visual hippie, escreve o jornal.

Privacidade, a palavra de ordem

O jornal destaca que Stallman muda completamente de humor quando o assunto é privacidade dos usuários. Ele tece críticas pesadas quando softwares privados desrespeitam os direitos das pessoas. Ele tornou o tema uma verdadeira obsessão. Além de não usar celular, só aceitou tirar fotos depois da equipe jornalística prometer que a imagem não seria postada no Facebook.

Não gosto que rastreiem meus movimentos. A China é o exemplo mais visível de controle tecnológico, mas não o único. No Reino Unido, há mais de dez anos acompanham os movimentos dos carros com câmeras que reconhecem as placas. Isso é horrível, tirânico!, sentencia Stallman.

Ele faz do software sua contribuição como programador à luta pela integridade das pessoas.

Ou os usuários têm o controle do programa, ou o programa tem o controle dos usuários. O programa se transforma em um instrumento de dominação, afirma.

Stallman se deu conta do problema bem no início.

Em 1983 decidi que queria poder usar computadores em liberdade, porém era impossível porque todos os sistemas operacionais da época eram privados. Como mudar isso? Só me restou uma solução: escrever um sistema operacional alternativo e torná-lo livre.

Esta é a origem do GNU. Mais de trinta anos depois, a Free Software Foundation, fundada por ele, possui milhares de programas livres em catálogo.

Conseguimos modificar computadores pessoais, servidores, supercomputadores…, porém não podemos modificar completamente a informática dos celulares: a maioria dos modelos não permite a instalação de um sistema livre. E isso é muito triste, é uma clara mudança para pior nos últimos dez anos, diz Stallman.

Ele prossegue:

Os celulares são o sonho de Stalin, porque emitem a cada dois ou três minutos um sinal de localização para seguir os movimentos do telefone. O motivo de incluir essa função, afirma, foi inocente: era necessário para dirigir ligações e chamadas aos dispositivos. No entanto, tem o efeito perverso de que também permite o acompanhamento dos movimentos do portador. E, ainda pior, um dos processadores dos telefones tem uma porta traseira universal. Ou seja, podem enviar mudanças de software à distância, mesmo que no outro processador você use somente programas de software livre. Um dos usos principais é transformá-los em dispositivos de escuta, que não desligam nunca porque os celulares não têm interruptor, afirma.

Nos deixamos observar

Para Stallman, os celulares são apenas uma parte do problema. Segundo ele, os aparelhos conectados enviam às empresas privadas cada vez mais dados sobre nós.

Criam históricos de navegação, de comunicação… Existe até um aplicativo sexual que se comunica com outros usuários através da Internet. Isso serve para espiar e criar históricos, claro. Porque além disso tem um termômetro. O que um termômetro dá a quem tem o aplicativo? Para ele, nada; para o fabricante, saber quando está em contato com um corpo humano. Essas coisas são intoleráveis, se queixa.

Apple e Microsoft

O programador alerta ainda que os grandes fabricantes de smartphones estão deixando o software livre de lado e só apostam em tecnologia privada.

A Apple começou a fabricar computadores que barram a instalação do sistema GNU-Linux. Não sabemos por que, mas estão fazendo. Hoje em dia, a Apple é mais injusta do que a Microsoft. As duas são, mas a Apple leva o troféu, afirma.

O jornal quis saber se o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) europeu é uma resposta acertada a essa situação.

É um passo no caminho certo, mas não é suficiente. Parece muito fácil justificar o acúmulo de dados. Os limites deveriam ser bem rígidos. Se é possível transportar passageiros sem identificá-los, como fazem os táxis, então deveria ser ilegal identificá-los, como faz o Uber. Outra falha do RGPD é que não se aplica aos sistemas de segurança. O que precisamos é nos proteger das práticas tirânicas do Estado, que coloca muitos sistemas de monitoramento das pessoas, declarou Stallman.

O escândalo do Facebook e a Cambridge Analytica não o surpreendeu.

Sempre disse que o Facebook e seus dois tentáculos, o Instagram e o WhatsApp, são um monstro de seguir as pessoas. O Facebook não tem usuário, tem usados. É preciso fugir deles, finaliza.

Então, para Stallman, não podemos aceitar que outros tenham informações sensíveis sobre como vivemos nossa vida.

Existem dados que devem ser compartilhados: por exemplo, onde você mora e quem paga a conta de luz. Mas ninguém precisa saber o que você faz no seu dia a dia. Muito menos os produtos que você compra, desde que sejam legais. Os dados realmente perigosos são quem vai aonde, quem se comunica com quem e o que cada um faz durante o dia. Se fornecermos esses dados, eles terão tudo, frisou Stallman.

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Jornalista com pós graduações em Economia, Jornalismo Digital e Radiodifusão. Nas horas não muito vagas, professor, fotógrafo, apaixonado por rádio e natureza.
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