TBT: Carta de Jon Maddog Hall a ex-presidente Dilma Rousseff!

Você saiba que Maddog já enviou uma carta para a ex-presidente Dilma? Pois é, conheça a carta na íntegra. Assim, vamos aproveitar o nosso TBT.

Carta de Jon Maddog Hall a Dilma Rousseff

Eu entendo que a senhora está irritada com meu país, os Estados Unidos da América, porque uma de nossas agências, a Agência de Segurança Nacional (NSA), vem armazenando suas comunicações privadas, lendo seu email e espionando a senhora e outros brasileiros.

Me desculpe por falar isso, mas “eu lhe avisei“.

Idas ao Brasil de Jon Maddog

Desde 1996 eu tenho vindo ao Brasil para falar sobre GNU/Linux e Software de Código Aberto em geral. Depois dos acontecimentos de 11 de setembro de 2001 e a aprovação do, conhecido como, “USA Patriot Act of 2001” (Ato patriota dos EUA de 2001). Eu comecei a sentir um frio na espinha, em que eu sabia de longe, que poderes amplos, descontrolados sem supervisão não era o que os patriotas que fundaram nosso país pretendiam… Na verdade, muito pelo contrário.

Durante os últimos 10 anos eu também venho me envolvendo mais com questões sobre Cuba e o embargo que vem acontecendo nos últimos 40 anos. Com a reação do meu país em relação à eleição de Hugo Chávez, eu comecei a me perguntar o que poderia acontecer com o Brasil (ou com muitas outras nações) se estiverem em um embargo militar ou econômico.

Sendo da indústria de computação desde 1969, claro que eu pensei nas consequências de um embargo pelo ponto de vista da Ciência da Computação/Software, e isso vem sendo a minha maior motivação pelo desejo de ver o Brasil (e o resto do mundo) usando Software Livre e também projetando e manufaturando Hardware Aberto.

Nos últimos 10 anos eu venho dizendo ao público ao redor do mundo que eu amo meu país, mas se a senhora não vive no meu país então qualquer dado que é armazenado em meu país, ou mesmo que passe de alguma forma por perto das fronteiras do meu país não é realmente “privado”.

Eu também venho dizendo a todo mundo que software não é mais um item de luxo, e se todo o software tiver que desaparecer do planeta, os seus elevadores vão parar e seus emails vão parar de ser enviados.

Eu tenho falado muitas, muitas vezes que os Militares nos Estados Unidos não pensam duas vezes sobre colocar um código-fonte fechado criado por companhias norte-americanas nos nossos tanques de guerra, aviões e navios.

Porque essas empresas são levadas por cidadãos americanos leais… mas se você é a China ou (hum) Brasil, você deve realmente pensar duas vezes sobre colocar estes softwares nas suas armas se você não inspecionou todo o código porbackdoors e cavalos de troia (trojan horses).

Muitas vezes eu também tenho mostrado questões de embargo econômico, propondo aquela pequena ilha fora da costa da Flórida como exemplo. Eu mostrei que empresas como Microsoft e Oracle não podem vender legalmente software para Cuba. Mas é claro que Cuba usa software da Microsoft e Oracle.

Porém Fidel não pode ligar para Bill Gates e oferecer a ele uma caixa de cigarros cubanos para resolver o problema que estão tendo. Bill Gates é um cidadão americano fiel e não é permitido vender coisas high-tech para Cuba.

Algumas dessas empresas têm programas que permitem você “olhar” todo o código-fonte e inspecioná-lo à procura de Trojan Horses e outras back doors. Mas essas companhias realmente esperam que você acredite que o código-fonte que você está olhando é realmente o código-fonte real e não código-fonte oculto nos arquivos binários dos seus produtos?

Nesse período de tempo eu tenho visto a consagração de Software Livre e Código-aberto, desenvolvido ao redor do mundo, com os olhos de todas as nações sobre ele. Software que pode ser (como você sabe) tipicamente baixado pela internet de graça.

E usando o dinheiro, que você normalmente paga por licenças de software, para pagar programadores nacionais para modificar estes softwares para suprir as suas necessidades. Programadores nacionais que compram comida local, moram no país e pagam taxas nacionais… e que votam em políticos locais.

Eu tenho mostrado também que enquanto empresários em um país como o Vietnam podem encontrar dificuldade para pagar 400 dólares por hora para um programador, estes mesmos empresários vietnamitas poderiam encontrar mão de obra local que poderia fazer o trabalho tão bom quanto e por muito menos dinheiro.

No final eu ensinei sobre não armazenar dados brasileiros, particularmente dados sensíveis, fora das fronteiras do país. Brasileiros vão votar na senhora, Presidente Rousseff. Se eles não gostarem do que a senhora faz, eles podem votar em outra pessoa. Brasileiros não podem votar no presidente Obama, ou no John Boehner (o responsável pela USA House of Representatives), nem podem votar na emenda na nossa constituição para melhor proteger seus dados.

Eu vou falar que enquanto eu reconheço as vantagens de alguns tipos de infraestrutura na nuvem (Cloud Computing), eu tenho falado muito o quanto a “Computação na Nuvem” iria esconder o software do poder das pessoas e torná-las mais dependentes de grandes empresas deste ramo (com seus servidores instalados nos EUA) muito mais do que elas são hoje em grandes empresas de produtos de código-fechado dos EUA.

A senhora pode não ter estado em nenhuma das minhas apresentações, presidente Rousseff, mas seu povo esteve, e eu fiquei triste que eles parecem que não levaram meus avisos a sério… até agora.

Agora eu soube que a senhora quer desenvolver um método para proteger o Brasil desses comportamentos intrusivos e de espionagens dos EUA. Eu lhe parabenizo por isso e espero que outros países façam o mesmo.

Talvez o Brasil possa (mais uma vez) ser o modelo de como isso pode ser feito. Eu sei e entendo que isso não é fácil de se fazer, assim como implantar uma infraestrutura de segurança e privacidade não é fácil, nem é trivial de ser desenvolvido. Isto requer muito planejamento e trabalho duro.

Planos de Maddog para o Brasil

Eu tenho boas notícias para a senhora, pois venho trabalhando em um plano há sete anos que tem como objetivo:

  • Criar milhões de novos empresários locais independentes, fornecendo empregos na área de alta tecnologia, treinando de pessoas para ajudar nessa questão de privacidade e segurança e ao mesmo tempo disponibilizar melhores serviços computacionais para usuários locais;
  • Criar um plano para milhões de “nuvens locais” e pequenos clientes que podem prover melhores serviços de computação nas nuvens de baixo custo para áreas urbanas com uso de pouca energia e com baixo custo de climatização;
  • Melhorar o tempo de resposta para comunicações wireless/sem fio que estão com problemas de saturação e de contenção, permitindo que centenas de megabits de dados por segundo sejam fornecidos para cada dispositivo;
  • Reduzir a quantidade de dispositivos eletrônicos jogados fora, mantendo o máximo de lixo eletrônico o mais longe possível de aterros sanitários;
  • Fazer com que os computadores sejam fáceis de se usar, salvando tempo e dinheiro dos usuários;
  • Ajudar a balança comercial brasileira gastando mais dinheiro em software e hardware dentro do Brasil ao invés de enviar esse dinheiro para fora do país;
  • Permitir que os brasileiros decidam onde rodar seus programas e onde armazenar seus dados dinamicamente, sob o controle do Brasil;
  • Utilizar computadores projetados e manufaturados no Brasil.

Tudo acima (e muito mais) pode ser feito hoje utilizando Software Livre (Open Source Software) e hardware já existente, mas a maioria dos hardwares são projetados e produzidos na China, e pelo fato deles não serem fabricados pelo processo de manufatura brasileiro nem ser projetados por indústrias de design de hardware do Brasil, abre a possibilidade de existirem “spywares” escondidos em“binary blobs” no próprio firmware seja de hardware ou software. Meu plano é utilizar as universidades e indústrias brasileiras para criar soluções high-tech, projetadas e manufaturadas em território brasileiro.

Tudo acima foi pensado para ser financiado pela iniciativa privada, ficando com o governo a responsabilidade de dar os incentivos (como isenção de impostos) que milhões de novos empresários e centenas de companhias necessitam para produzir esta estrutura.

Projeto Cauã

Entretanto, este projeto sendo financiado completamente pela iniciativa privada implica que poderia levar 20 anos para ser finalizado. Com alguns pequenos investimentos iniciais por parte do governo e cooperação de várias agências governamentais nós podemos fazer este projeto auto-sustentável em 3 anos, e inclusive encurtar o tempo de implementação do mesmo em 10 anos.

É um plano que venho falando abertamente pelos últimos três anos, um projeto chamado “Project Cauã”, e nós estamos trabalhando duro para tocar este projeto para frente, pois estamos tendo dificuldade para obter cooperação do governo brasileiro (federal, estadual e municipal) e da indústria brasileira.

Project Cauã pode ser estendido para dar ao Brasil (e outros países) a independência necessária para controlar sua própria internet e ter seus próprios “serviços de nuvem” sem fechar o acesso à internet mundial que as pessoas usam hoje.

Eu não estou pedindo a adoção do Project Cauã, entretanto eu acho que o Project Cauã poderia dar ao povo brasileiro vivendo em áreas urbanas (em torno de 70% da população) muitos benefícios. Diante das questões que tenho falado nesta carta, eu realmente acho que a senhora deveria:

  • Ensinar Software Livre, de Código e Hardware Aberto nas universidades federais;
  • Criar uma política governamental para acelerar a adoção de Software Livre, de Código e Hardware Aberto a um passo ainda mais rápido;
  • Incentivar a certificação de administradores de sistemas em FOSS(Ferramentas Livres), talvez diminuindo as taxas;
  • Criar ou incentivar a diminuição de taxas para novos empreendimentos de rede que possam trazer acesso local em alta velocidade para as “nuvens” para os usuários de uma determinada região.

O Brasil vem sendo um líder em FOSS por muitos anos. Eu o tenho apelidado como a “estrela brilhante” do movimento FOSS na América Latina. O Brasil vem seguindo algumas das sugestões que mencionei acima, mas devido ao que vem acontecendo com relação à NSA, eu acredito que a senhora precisa acelerar isso ainda mais.

Estou indo falar sobre o Project Cauã na Latinoware em Foz do Iguaçu nos dias 16 e 17 de outubro, e também em uma conferência que será em Brasília no dia 8 de novembro. Eu não espero que a senhora estará lá, devido ao fato que a senhora é muito ocupada, mas eu gostaria de discutir seriamente com membros do seu governo e com outros membros do governo brasileiro métodos para ajudar o Brasil a direcionar seu próprio futuro de tecnologia da informação e talvez usando parte ou tudo o que se propõe no Project Cauã.

Isso talvez tome 10 anos, mas se a senhora não começar agora nunca vai chegar lá. Eu penso que a senhora gostaria que o povo brasileiro se lembrasse de você como a “Presidente do Progresso”.

Com o maior carinho,
Jon “maddog” Hall, Presidente Project Cauã

Se preferir, leia a carta original em inglês.

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