A tecnologia eSIM já se tornou um pilar invisível da conectividade moderna. Sem a necessidade de um cartão físico, ela viabiliza a comunicação entre smartphones, relógios inteligentes, carros conectados, roteadores 5G e até sensores industriais — tudo de forma ágil e remota. Com a expansão da Internet das Coisas (IoT), o eSIM se transformou em uma peça crítica para bilhões de dispositivos.
Por isso, a recente descoberta de uma vulnerabilidade eSIM pela empresa de segurança Security Explorations, envolvendo a plataforma da Kigen, acendeu um alerta na comunidade de tecnologia e segurança digital. A falha atinge diretamente o núcleo de dispositivos modernos e pode permitir a instalação de código malicioso no chip eUICC, afetando a privacidade, identidade e até o controle sobre o dispositivo.
Este artigo explica em detalhes como essa vulnerabilidade funciona, quem está realmente em risco e o que está sendo feito para resolver o problema. Ao final, você saberá se precisa se preocupar com seu smartphone — ou com o seu carro.

O que é um eSIM e por que ele domina o mundo conectado?
Ao contrário dos tradicionais chips físicos (SIM cards), o eSIM é um chip embutido no dispositivo, conhecido tecnicamente como eUICC (Embedded Universal Integrated Circuit Card). Essa tecnologia permite que perfis de operadoras sejam baixados remotamente, sem a necessidade de inserir ou trocar chips.
As vantagens são muitas:
- Troca de operadora remota, ideal para usuários que viajam com frequência ou que desejam mudar de plano sem burocracia.
- Suporte a múltiplos perfis, o que permite alternar entre contas pessoais e corporativas, por exemplo.
- Design compacto, essencial para dispositivos como smartwatches, rastreadores GPS, drones e sensores industriais IoT.
Por ser altamente programável, o eSIM opera com software embarcado que gerencia a autenticação, os perfis e a segurança da comunicação — e é aí que entra o papel da Kigen.
A anatomia da vulnerabilidade: como o ataque funciona
A Security Explorations, conhecida por descobrir falhas em componentes profundamente técnicos, identificou uma brecha crítica em um componente de software da Kigen, um dos principais fornecedores de tecnologia eSIM no mundo.
O ponto fraco no perfil de teste
A falha está relacionada a um perfil de teste padronizado, chamado GSMA TS.48, utilizado por fabricantes durante a validação de dispositivos com suporte a eSIM. Esse perfil deveria ser usado somente em ambiente de desenvolvimento, nunca em dispositivos finais.
O problema é que alguns dispositivos estão sendo enviados ao mercado com esse perfil de teste ativado — o que equivale a deixar uma porta de serviço aberta dentro do sistema. Essa brecha pode permitir a instalação de applets Java Card maliciosos diretamente no chip eUICC.
O que um invasor pode fazer?
A exploração dessa falha possibilita que atacantes:
- Instalem aplicativos maliciosos no eUICC, através do uso indevido dos canais de teste do perfil GSMA TS.48.
- Interceptem ou acessem perfis de operadoras, que em muitos casos podem ser baixados em formato de texto não criptografado.
- Roubem certificados de identidade armazenados no chip, o que compromete a autenticação do dispositivo na rede.
- Espionem comunicações, especialmente em dispositivos IoT sensíveis.
- Modifiquem ou substituam perfis, podendo fazer com que uma operadora perca o controle sobre um dispositivo registrado.
Esses vetores de ataque transformam o eUICC em uma porta de entrada silenciosa, difícil de detectar e com alto potencial de abuso.
Qual o risco real para o usuário comum?
A Kigen reconheceu a falha e informou que a exploração requer acesso físico ao dispositivo. Ou seja, um hacker não pode atacar remotamente um smartphone ou relógio com essa vulnerabilidade — o que reduz, em parte, o risco para o consumidor comum.
No entanto, isso não significa que o problema seja insignificante. Pelo contrário: o requisito de acesso físico torna a falha uma ferramenta perfeita para ataques direcionados, como:
- Espionagem industrial, especialmente em dispositivos IoT corporativos.
- Interceptação de comunicações em carros conectados.
- Ataques patrocinados por governos, com uso de agentes para capturar ou manipular dispositivos específicos.
Assim, ainda que o risco para o usuário médio seja moderado, organizações e alvos de alto valor devem estar em alerta máximo.
A resposta da indústria e os próximos passos
A boa notícia é que a comunidade de segurança respondeu de forma rápida e coordenada.
- A GSMA, organização responsável pela padronização global de telecomunicações, lançou a especificação TS.48 v7.0, que mitiga a vulnerabilidade ao desativar os canais inseguros do perfil de teste.
- A Kigen pagou uma recompensa de US$ 30.000 à Security Explorations, como parte de seu programa de bug bounty, demonstrando compromisso com a transparência e a correção da falha.
- Fabricantes estão sendo orientados a revisar seus processos de produção, garantindo que perfis de teste nunca sejam incluídos em versões finais de produtos.
Esse caso reforça a importância de colaboração entre pesquisadores e empresas, e mostra como práticas de segurança como bug bounties podem prevenir crises maiores.
Conclusão: a segurança como um processo contínuo
A descoberta da vulnerabilidade eSIM na tecnologia da Kigen serve como mais um lembrete de que nenhum componente digital está isento de falhas. Mesmo tecnologias avançadas e amplamente adotadas, como o eSIM, podem esconder brechas perigosas.
Embora o ataque exija acesso físico e não represente um risco imediato para todos os usuários, ele tem implicações sérias para dispositivos corporativos, automotivos e IoT, onde o acesso físico pode ser viável e o impacto, devastador.
A solução já está em andamento — e isso é positivo. Mas fica o alerta: a segurança digital é um processo contínuo. É fundamental manter seus dispositivos sempre atualizados, pois correções como essa são frequentemente distribuídas por meio de atualizações de firmware ou software.
Em um mundo onde até o chip invisível do seu relógio pode ser uma ameaça, a atenção à segurança deve ser constante.