China proíbe suas gigantes de tecnologia de comprar chips de IA da Nvidia, diz reportagem

Escrito por
Emanuel Negromonte
Emanuel Negromonte é Jornalista, Mestre em Tecnologia da Informação e atualmente cursa a segunda graduação em Engenharia de Software. Com 14 anos de experiência escrevendo sobre...

Pequim fecha a porta às GPUs da Nvidia e acelera a autossuficiência tecnológica com chips domésticos como os da Huawei!

A China decidiu fechar a porta — por ora — à Nvidia. Segundo o Financial Times, a Cyberspace Administration of China (CAC), principal reguladora da internet no país, proibiu grandes grupos como Alibaba e ByteDance de comprar as GPUs de IA voltadas ao mercado chinês, incluindo a RTX Pro 6000D; a orientação inclui cancelar pedidos já feitos e interromper testes em andamento. A Reuters confirmou os contornos do relato e observou que o movimento amplia a restrição anterior envolvendo a H20, também criada sob medida para contornar controles de exportação dos EUA.

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O alvo do banimento não são as placas topo de linha já bloqueadas por Washington — essas ficaram no passado recente. O impacto aqui é simbólico e estratégico: Pequim está barrando justamente os modelos que a própria Nvidia desenhou para continuar presente no mercado chinês sob regras mais duras. Em termos de sinal político, é uma mudança de postura: a mensagem é que a China não quer mais depender de “versões capadas” para seguir treinando e servindo modelos de IA.

E por que agora? De acordo com a justificativa citada pelo FT, o governo chinês afirma que os seus chips domésticos — de empresas como a Huawei e a Cambricon — já alcançaram “paridade” de desempenho com a H20 e a RTX Pro 6000D. É uma reivindicação, não um fato técnico comprovado publicamente, mas que se encaixa no projeto de autossuficiência tecnológica e no esforço de nacionalização da infraestrutura de computação. Tom’s Hardware ecoa essa leitura e acrescenta que gigantes como a Tencent correm para montar pilhas de software próprias para substituir o ecossistema CUDA.

Há também um elemento de timing: antes do veto, grandes plataformas chinesas sinalizavam compras na casa das dezenas de milhares de unidades da RTX Pro 6000D — o que tornaria o produto o substituto “cumpridor de regras” para o vácuo deixado pela H20. Bloomberg e Reuters relatam que a CAC mandou parar os testes e cancelar pedidos, esfriando de vez a “ponte” que a Nvidia tentou construir para manter presença na China.

A aposta na autossuficiência: Huawei em vez de Nvidia

Quando o governo diz, na prática, “comprem local”, o mercado se reorganiza rapidamente. A mesma quarta-feira do veto trouxe outra manchete: um data center de US$ 390 milhões da China Unicom, em Qinghai, exibido como vitrine de desempenho usando apenas chips nacionais — com forte presença de processadores da T-Head (Alibaba) e de outras casas como MetaX e Biren — e metas de escalar de 3.579 para 20.000 petaflops nos próximos ciclos. O recado é claro: há capacidade e escala em construção para absorver a demanda que antes iria para a Nvidia.

A peça que faltava, reconhecem executivos e pesquisadores, é o “cimento” do software. A Nvidia ainda leva vantagem no stack completo (CUDA, bibliotecas otimizadas, ferramentas e ecossistema de parceiros). Mas, segundo a cobertura do Tom’s Hardware, Tencent e outras big techs chinesas estão acelerando a criação de infraestruturas próprias — do framework ao compilador — para reduzir a dependência. Se tal esforço prosperar, a China Nvidia AI deixa de significar “Nvidia na China” e passa a descrever um duelo de plataformas: hardware e software domésticos versus a pilha americana.

Há, ainda, o pano de fundo regulatório. Pequim abriu uma frente antitruste contra a Nvidia, dizendo ter encontrado indícios de violação da lei de concorrência — a legislação prevê multas que podem chegar a 10% das vendas no país. Mesmo que as penalidades levem tempo, o simples anúncio reforça o incentivo para “ficar em casa” e abastecer-se de chips locais. (Reuters)

A reação da Nvidia e o xadrez geopolítico

Como reagiu Jensen Huang? Diplomaticamente — e com frustração contida. Em declarações a repórteres em Londres, ele disse: “We can only be in service of a market if the country wants us to be… We are patient about it.” A leitura é cristalina: a Nvidia se coloca à disposição “se o país quiser”, reconhece agendas maiores entre EUA e China e promete “paciência”. O tom está longe do confronto; é a postura de quem não quer fechar portas que talvez voltem a se abrir.

Essa diplomacia é compreensível. Do lado americano, licenças e limites de exportação seguem dançando ao sabor da política, e a própria Nvidia tem trabalhado em alternativas sob o guarda-chuva Blackwell (caso do B30/B30A, ainda aguardando definição regulatória). Do lado chinês, além do novo veto e da pressão antitruste, há uma narrativa pública forte de que a H20 é “desatualizada” e “insegura” — uma forma de desestimular a adoção e fortalecer o argumento pró-substituição doméstica. Em meio a tudo isso, Huang tem repetido que controles de exportação não frearam a China, só enfraqueceram a liderança econômica e tecnológica dos EUA.

O que muda amanhã para as big techs chinesas

No curtíssimo prazo, Alibaba, ByteDance e outras terão de realocar orçamentos e roadmaps para chips locais — sobretudo em clusters de treinamento onde “tempo até o insight” vale dinheiro. A substituição não é plug-and-play, porque envolve reempacotar modelos, ajustar kernels, portar operadores e revalidar métricas de qualidade; mas a direção estratégica está definida. A Reuters já vinha relatando que, mesmo sob pressão, parte das empresas ainda queria comprar Nvidia; a diferença agora é que a porta foi trancada por dentro.

No médio prazo, dois vetores vão dizer quem ganha tração: (1) maturidade do ecossistema doméstico (compiladores, bibliotecas, drivers, frameworks) e (2) economia de escala para baixar o custo por TFLOP/por token. Se a promessa de “paridade” se materializar em benchmarks e TCO competitivo, o eixo local pode se consolidar de vez. Se não, veremos uma guerra de atrito — com a China priorizando autossuficiência tecnológica e a Nvidia tentando manter algum canal via modelos sob medida e licenças específicas.

O que observar nos próximos meses

Três checkpoints práticos para quem acompanha a indústria:

  1. Avaliações independentes do desempenho dos novos chips domésticos em cargas de LLM/recall-heavy (não apenas SPECs ou TOPS).
  2. Status regulatório de eventuais produtos Blackwell “para China” (B30/B30A) e se haverá brecha comercial viável.
  3. Sinais de software-first vindos de Tencent, Baidu e Huawei — se a pilha doméstica ganhar ergonomia (APIs, tooling, runtimes), a migração acelera e o “efeito-rede CUDA” perde força.

No fim das contas, o veto de hoje não é apenas uma manchete de comércio exterior; é um ato de política industrial que sobe o tom da disputa EUA–China e empurra o ecossistema local para a linha de frente. Se a promessa oficial de paridade for sustentada na prática, teremos um novo equilíbrio de poder na computação de IA — menos dependente de uma única fornecedora e mais fragmentado por jurisdições, normas e ambições nacionais.

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