Apple remove Apps LGBTQ+ Blued e Finka da App Store na China

A Apple mais uma vez obedece ordens de Pequim, desta vez removendo os populares aplicativos LGBTQ+ Blued e Finka.

Escrito por
Jardeson Márcio
Jardeson Márcio é Jornalista e Mestre em Tecnologia Agroalimentar pela Universidade Federal da Paraíba. Com 8 anos de experiência escrevendo no SempreUpdate, Jardeson é um especialista...

A Apple mais uma vez se vê no centro de uma polêmica envolvendo censura e direitos humanos. A gigante de Cupertino removeu os aplicativos de namoro LGBTQ+ Blued e Finka da App Store chinesa, após uma ordem direta da Administração do Ciberespaço da China (CAC), o principal órgão censor de internet do país.

A ação, que ocorreu silenciosamente, foi rapidamente percebida por usuários chineses, gerando indignação nas redes sociais e levantando questionamentos sobre a cumplicidade da Apple com o regime de censura digital imposto pelo Partido Comunista Chinês (PCC).

Este artigo explica por que os aplicativos desapareceram, analisa a justificativa da Apple e discute o impacto para a comunidade LGBTQ+ na China, bem como o dilema ético e econômico enfrentado pela empresa ao operar em um dos mercados mais lucrativos e restritivos do mundo.

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Imagem: Phone Arena

O que aconteceu: Blued e Finka desaparecem da loja

Durante o último fim de semana, usuários chineses começaram a relatar que os aplicativos Blued e Finka haviam sumido da App Store. Poucas horas depois, veículos de tecnologia locais confirmaram que a remoção foi ordenada pela CAC, como parte de uma nova rodada de “limpeza” de aplicativos considerados “indevidos”.

O Blued, fundado em 2012 e conhecido como o maior aplicativo de namoro gay da Ásia, e o Finka, voltado ao público LGBTQ+ jovem, continuam funcionando temporariamente para quem já os tinha instalados. No entanto, novos downloads foram bloqueados em todas as lojas móveis do país, incluindo a Google Play Store.

Fontes locais afirmam que a medida faz parte de uma campanha do governo para “proteger a moral pública” e “combater conteúdos nocivos”, uma linguagem frequentemente usada pelo PCC para justificar ações contra grupos minoritários e opositores.

A posição oficial da Apple (e o que ela significa)

Procurada por veículos internacionais, a Apple respondeu com sua declaração padrão:

“Seguimos as leis dos países onde operamos.”

Essa frase, repetida em diversas situações semelhantes, resume a política da empresa de cumprir ordens de censura governamental sempre que exigido pelas autoridades locais. Embora a Apple mantenha um discurso de defesa da privacidade e da liberdade de expressão no Ocidente, a prática na China revela um contraste evidente.

O porta-voz da empresa acrescentou que o Finka já havia deixado lojas internacionais anteriormente, e que o Blued estava focado exclusivamente no mercado chinês, uma tentativa de minimizar o impacto global da decisão. Ainda assim, críticos apontam que a Apple se tornou uma peça importante na estratégia de controle digital da China.

Um histórico de concessões ao governo chinês

A remoção de aplicativos LGBTQ+ não é um caso isolado. Ao longo dos últimos anos, a Apple vem realizando várias concessões ao governo chinês, removendo aplicativos e conteúdos que desagradam ao regime.

O caso do Grindr em 2022

Em 2022, o popular app Grindr também foi banido da App Store chinesa, após pressão do governo. O caso marcou o início de uma repressão direcionada a aplicativos LGBTQ+, com autoridades alegando “preocupações com segurança de dados” — um argumento amplamente usado para mascarar motivações políticas e morais.

A remoção de aplicativos de VPN

Um dos episódios mais criticados ocorreu quando a Apple retirou dezenas de aplicativos de VPN da App Store na China, cortando um dos últimos meios de os cidadãos acessarem a internet livre fora do Great Firewall. As VPNs eram amplamente usadas por ativistas, jornalistas e acadêmicos para escapar da censura e da vigilância.

Outros incidentes de censura

A Apple também foi acusada de remover aplicativos de notícias internacionais, como o New York Times, e de armazenar os dados do iCloud chinês em servidores controlados por empresas estatais, o que facilita o acesso do governo a informações pessoais de usuários.

O alvo: a repressão à comunidade LGBTQ+ na China

Embora a homossexualidade tenha sido descriminalizada na China em 1997, o casamento entre pessoas do mesmo sexo ainda não é reconhecido, e a situação política tem se deteriorado nos últimos anos.

O PCC tem intensificado a repressão contra a comunidade LGBTQ+, fechando organizações de direitos humanos, censurando contas em redes sociais e promovendo uma narrativa de “valores tradicionais” que exclui a diversidade sexual e de gênero.

Nesse contexto, aplicativos como Blued e Finka eram muito mais do que plataformas de namoro, eram espaços de apoio, pertencimento e liberdade em um ambiente cada vez mais hostil. O Blued, por exemplo, tinha mais de 49 milhões de usuários registrados em 2020, sendo uma das maiores comunidades LGBTQ+ online do mundo.

A remoção desses aplicativos representa, portanto, um golpe profundo à visibilidade e à segurança da comunidade.

O futuro incerto e o rebranding internacional

Ainda não está claro se a remoção será permanente ou se os aplicativos poderão retornar à App Store após modificações exigidas pelo governo. No entanto, o padrão observado em casos anteriores sugere uma censura duradoura.

O Blued, que pertence ao grupo BlueCity Holdings, já vinha tentando se adaptar à pressão política. Em 2024, a empresa renomeou sua versão internacional para HeeSay, mantendo as operações fora da China, principalmente nos Estados Unidos e em outros mercados asiáticos.

O Finka, por sua vez, foi adquirido pela própria BlueCity e retirado da bolsa de valores, em uma tentativa de reestruturação. Essas mudanças indicam uma clara divisão entre as versões chinesas e internacionais dos aplicativos — um reflexo direto das restrições impostas pelo regime.

Conclusão: mais um tijolo no “Great Firewall”

A remoção dos aplicativos Blued e Finka é mais um passo no processo de isolamento digital promovido pela China, onde a internet se torna cada vez mais controlada, monitorada e moralmente filtrada pelo Partido Comunista Chinês.

Para a comunidade LGBTQ+, a decisão é um duro golpe na liberdade de expressão e de associação, apagando espaços de convivência e empoderamento construídos ao longo de anos.

Para a Apple, o episódio reforça um dilema que se repete: até que ponto uma empresa global pode ceder às exigências de regimes autoritários sem trair seus próprios valores declarados?

Ao cumprir a ordem da CAC, a Apple garante seu acesso a um mercado bilionário, mas perde credibilidade perante um público global cada vez mais atento à coerência ética das Big Techs.

Qual deve ser o papel da Apple em países com regimes autoritários?
A empresa deveria lutar mais contra essas ordens? Deixe sua opinião nos comentários.

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