A Blender 5.0 release é aquele tipo de virada de chave que a comunidade esperava há anos. Depois de uma década de iterações na série 2.x, 3.x e 4.x, o “Hi Five” marca não só um salto de versão, mas a declaração de que o Blender quer jogar na mesma liga das grandes suítes de cinema e VFX.
O foco não está em “mais botões”, e sim em fechar o ciclo profissional: gerenciamento de cor digno de set de filmagem, vídeo com HDR de ponta a ponta, renderizadores (Cycles e EEVEE) mais físicos e um conjunto de Geometry Nodes que começa a substituir os modificadores clássicos. Em outras palavras, o Blender 5.0 finalmente fala a língua dos estúdios que vivem em pipelines ACES e precisam entregar master em Rec.2100 para streaming e cinema.
Cores de cinema: ACES, HDR e wide-gamut nativos
Até a versão 4.x, trabalhar cor no Blender era, grosso modo, pintar um pôr do sol com lápis de cor escolar. Funcionava, mas o limite era o espaço sRGB tradicional. Com o Blender 5.0, você troca essa caixinha básica por uma paleta de tintas a óleo praticamente infinita: o programa ganha um pipeline de cor completamente reformulado, com suporte nativo a wide-gamut e HDR.
O software agora oferece:
- Visualizações ACES 1.3 e 2.0 como alternativa ao AgX e Filmic, para compatibilidade direta com pipelines ACES padrão e HDR.
- Displays Rec.2100 PQ e Rec.2100 HLG, que permitem monitorar e exportar vídeo em formatos usados por TVs HDR e plataformas como o YouTube.
- Um “Blend file working color space”, incluindo Linear Rec.2020 e ACEScg, o que significa que materiais, luzes e composição podem trabalhar em gamas de cor muito mais amplas do que o sRGB.
Na prática, isso quer dizer que:
- Você consegue visualizar e exportar imagens e vídeos em 10 ou 12 bits, aproveitando de verdade monitores HDR e entregando master pronto sem depender de outra ferramenta.
- O Blender fica muito mais “plug-and-play” em pipelines que já usam configurações OpenColorIO com ACES 2.0.
Para o artista, o ganho é duplo: mais latitude para grading criativo e muito menos fricção ao entrar em projetos com padrões de cinema.
O VSE encontra o Compositor: edição e pós na mesma timeline
Durante anos, a resposta clássica para “dá para compor direto no VSE?” era: exporta a sequência, passa no Compositor, volta para o VSE (Video Sequence Editor). Era um vai e vem cansativo.
O Blender 5.0 muda esse jogo com o novo Compositor modifier no VSE. Agora, cada strip de vídeo pode receber uma árvore de nós do Compositor diretamente na timeline, como se fosse um Modifier de geometria, só que aplicado ao seu clipe.
Alguns exemplos práticos:
- Um take de chroma key: você recorta o verde, aplica correção de cor e adiciona glow, tudo via nós, sem sair da timeline.
- Vinhetas, desfoques estilizados, aberração cromática, granulação de sensor e outros efeitos de “look” agora podem ser presets arrastados para o strip. Os próprios devs já fornecem templates como Chromatic Aberration, Sensor Noise e Vignette.
Tecnicamente, o VSE ainda usa o compositor em CPU, e não o novo compositor em GPU, então nem tudo será tempo real em projetos pesados. Mas o salto de fluxo de trabalho é gigantesco: na prática, o Blender começa a disputar espaço com ferramentas de pós multipropósito, porque montagem e composição passam a morar na mesma cena.
Cycles e EEVEE: mais físicos, mais rápidos
No terreno da renderização, o Blender 5.0 não traz um motor totalmente novo, e sim uma evolução profunda do que já existia. O Cycles ganha um novo algoritmo de volume “null scattering” que é fisicamente correto (unbiased) por padrão. Isso elimina aqueles blocos e artefatos esquisitos em volumes sobrepostos e dispensa o microgerenciamento de parâmetros como step size e max steps.
O Subsurface Scattering (SSS) também evolui: o Random Walk agora faz múltiplos saltos, o que reduz escurecimentos artificiais e deixa pele, cera e materiais translúcidos com muito mais naturalidade, ainda que custe alguns minutos a mais de render.
Do lado do EEVEE, o ciclo de reescrita conhecido como “Eevee Next” chega a um ponto de maturidade e passa a se chamar simplesmente EEVEE a partir do beta do Blender 5.0. O motor real time incorpora, ao longo dessa transição, recursos como iluminação global em tela, volumetria mais estável, melhor profundidade de campo e suporte a displacement real, ao mesmo tempo em que melhora a compilação de shaders e ganha View Layer overrides, algo essencial para cenas complexas.
Para o usuário, a combinação é simples: o preview fica mais fiel e a diferença visual entre o que você vê no viewport e o frame final diminui, o que acelera lookdev, motion graphics e animação de personagem.
Geometry Nodes e o futuro procedural do Blender
Se a parte de cor coloca o Blender na conversa com Hollywood, os Geometry Nodes definem o seu futuro como ferramenta procedural. O Blender 5.0 introduz uma leva de novos modifiers construídos sobre Geometry Nodes, em vez de código “fechado”, incluindo um substituto direto para o clássico Array Modifier e um modifier de scattering pensado justamente para espalhar objetos com poucas configurações.
Esses modifiers baseados em Geometry Nodes permitem:
- Arrays que não são apenas cópias em linha reta: você pode distribuir objetos em círculos, padrões personalizados, com variação de escala e rotação, perfeito para alvenaria irregular, cidades, vegetação ou props repetitivos.
- Scatter controlado por máscaras e atributos, algo que antes exigia setups complexos de Nodes ou add-ons.
Em paralelo, o ecossistema de nós ganha conceitos como bundles e closures, que agrupam atributos ou funções inteiras em uma só conexão, deixando redes mais limpas e reutilizáveis entre Shaders, Geometry Nodes e Compositor.
A mensagem implícita é clara: o Blender está migrando de uma pilha de modificadores estáticos para um ambiente onde praticamente tudo pode virar Nodes, com mais controle e menos limitações pré-fabricadas.
O que muda na prática para artistas e estúdios
Para quem é freelancer ou pequeno estúdio, o Blender 5.0 release reduz drasticamente a lista de “softwares que preciso abrir” em um projeto típico. Você consegue:
- Modelar, animar, compor, editar e exportar um master em HDR num único aplicativo, sem gambiarras de cor.
- Trabalhar com cenas bem maiores, já que o formato
.blendfoi atualizado para lidar com blocos acima de 2 GB e ativos com centenas de milhões de vértices de forma mais estável.
Para pipelines maiores, a história é um pouco mais cautelosa. O Blender 5.0 traz:
- Mudanças de compatibilidade de arquivo (projetos 5.0 podem não abrir direito em versões 4.x).
- Quebra em partes da API Python e descontinuação de alguns formatos antigos de animação e pose libraries.
Ou seja, vale planejar uma fase de testes e manter a 4.5 LTS instalada em paralelo, especialmente se você depende de add-ons proprietários ou scripts internos.
Mas o saldo é difícil de ignorar: com gerenciamento de cor de ponta, VSE e Compositor finalmente integrados, Cycles mais físico e Geometry Nodes assumindo o volante, o Blender 5.0 deixa de ser “a ferramenta gratuita que dá para quebrar um galho” e se posiciona como uma opção séria de ponta a ponta para cinema, streaming, publicidade e game cinematics.
