Depois de quase 30 anos com ambientes KDE rodando sobre X11, a equipe do Plasma decidiu que chegou a hora de virar a página de vez. Em um anúncio que soa como “fim de uma era” e, ao mesmo tempo, “início de outra”, o projeto confirmou que o KDE Plasma 6.8 será Wayland-only. Não é uma ruptura para amanhã, mas é uma linha bem clara no chão: a sessão de login em X11 vai se aposentar.
O fim da sessão X11: quando e por quê
A decisão é direta: no KDE Plasma 6.8, a sessão X11 simplesmente não existirá mais. O desktop vai funcionar exclusivamente em Wayland, e a compatibilidade com programas antigos ficará por conta do Xwayland.
O cronograma também foi pensado para evitar um “corte seco”. Segundo o próprio time, a última versão com sessão X11 será o Plasma 6.7, e esse ramo terá suporte estendido com correções de bugs até o começo de 2027. Em outras palavras: a mudança é histórica, mas não é brusca. O KDE está tentando fazer a transição da forma que um desktop maduro deveria fazer, com previsibilidade e uma “ponte” para quem ainda depende de certos fluxos antigos.
E aqui entra o motivo real, aquele que nem sempre cabe em uma frase de anúncio: manter dois mundos ao mesmo tempo custa caro. Não em dinheiro, mas em energia de desenvolvimento, revisão, QA e tempo. A equipe já vinha preparando esse terreno, inclusive com mudanças anteriores, como a separação do KWin em versões kwin_wayland e kwin_x11.
A analogia da casa: manter o legado ou finalmente inovar
Pensa numa reforma de casa: você quer instalar um sistema elétrico moderno, seguro e eficiente (o Wayland), mas é obrigado a manter toda a fiação e o encanamento de 1990 (o X11) “só por garantia”. Essa casa até funciona, só que cada melhoria vira uma obra cheia de adaptações, exceções e pontos frágeis.
O KDE está dizendo que não dá mais para reformar a casa com a fiação antiga pendurada no teto. Ao remover a sessão X11, o time ganha liberdade para evoluir o Plasma com menos amarras, menos duplicação de trabalho e menos compromissos com o “menor denominador comum” entre dois sistemas diferentes.
O resultado esperado é simples de entender, mesmo que seja complexo de executar: desenvolvimento mais rápido, menos bugs estranhos de compatibilidade, mais foco em estabilidade e mais espaço para recursos que fazem sentido no mundo atual.
Impacto no usuário: para a maioria, quase nada muda
Vale esclarecer um conjunto de detalhes que o próprio KDE antecipou no FAQ, porque eles tiram muito do medo do caminho: o que some é a sessão de login Plasma X11, não o suporte a X11 no ecossistema inteiro, então apps do KDE ainda podem rodar em X11 em outros desktops. Para o legado, o Xwayland continua sendo o “tradutor” principal e, segundo a equipe, ele não entrega apenas o básico: há melhorias de compatibilidade, como suporte melhor a fractional scaling e opções (opt-in) para manter comportamentos clássicos do X11, como atalhos globais e até emulação de input. Em paralelo, eles reconhecem que alguns programas de terceiros, especialmente os que fazem tarefas mais “intrusivas” como screenshot e screencast, ainda podem precisar de ajustes para o Wayland, mas a maioria já se adaptou e o restante segue avançando. E para quem vive de automação, a mensagem é pragmática: ainda existe um kit de ferramentas para esses fluxos, com opções como wl-copy/wl-paste, ydotool, kdotool, kscreen-doctor, utilitários plasma-apply-* e extensões via scripts e plugins do KWin.
A parte curiosa é que, para a maioria das pessoas, esse anúncio não tem impacto imediato. O Wayland já é padrão em muitas distribuições, e uma grande parcela dos usuários já usa a sessão Wayland no dia a dia.
Para quem ainda precisa de X11, as rotas ficam bem definidas:
- Distribuições LTS: um caso clássico de “eu preciso do que já está comprovado”. Se o seu fluxo depende de X11 por razões específicas, versões de longo suporte devem manter o Plasma 6.7 com X11 por bastante tempo. O anúncio cita, por exemplo, o AlmaLinux 9 como um cenário em que a sessão X11 continua disponível por anos.
- Xwayland para aplicativos: o que vai embora é a sessão X11 do Plasma, não a capacidade de abrir programas X11. Com o Xwayland, a tendência é que a maioria dos apps continue funcionando “como sempre”, com poucas exceções bem específicas.
Também é importante o detalhe que evita confusão: o KDE não está “matando o X11” em tudo. Aplicativos KDE ainda poderão rodar em X11 em outros ambientes e setups. A mudança anunciada é sobre a sessão de login do Plasma.
Mitos e medos: NVIDIA, acessibilidade e jogos
Toda mudança de sistema gráfico carrega três medos clássicos, e o time do Plasma tratou deles de frente.
NVIDIA: durante anos, foi o elefante na sala. A equipe reconhece que já foi “rochosamente” problemático, mas crava que o suporte no driver proprietário amadureceu muito. Para GPUs antigas, o caminho sugerido é o driver open source Nouveau, quando fizer sentido.
Acessibilidade: a mensagem do KDE é pragmática. Eles afirmam estar “no mesmo nível” do X11 em recursos básicos (leitores de tela, teclas de acessibilidade, zoom), e apontam melhorias que o Wayland torna mais naturais, como gestos de touchpad e filtros de cor no sistema. Também admitem que ferramentas de terceiros podem variar e pedem relatos para corrigir o que faltar.
Jogos: aqui o tom é quase de celebração. O Wayland hoje é visto como terreno fértil para coisas que gamers realmente sentem na prática, como VRR (Adaptive Sync), opções de tearing, multi-monitor de alta taxa de atualização e até HDR (com ajustes adicionais). Em resumo: se antes a transição era “dor para ganhar estabilidade”, agora ela começa a render “dor que vira recurso”.
