A censura escondida de igualdade: O que pode estar por trás do novo CoC?

Para quem acompanha o mundo do desenvolvimento open-source, sabe que os ânimos estão exaltados e os problemas se multiplicando. O Linus pediu férias do projeto e o novo código de conduta está causando polêmica na comunidade. Este mal-estar é devido à sensação de que o novo estatuto social seja uma forma de intrusão e perseguição ideológica, transformando o espaço de contribuição do kernel linux em um local, antes apolítico, no mais novo lar para o ‘politicamente correto’ e seus abusos.

Tamanho alvoroço, dividiu a comunidade em dois polos; dos que prezam pela qualidade do código e isonomia de tratamento vs os que prezam pela ‘representatividade’ e justiça social. Dentre esses dois lados, fica um questionamento no ar: O que pode estar por trás do novo CoC?

Entendendo melhor a situação

A implementação deste código de conduta é resultado da pressão de grupos feministas e LGBTQQICAPF2K+ (é, eu sei, também não vejo a necessidade da sigla) que estão se movimentando neste sentido pelo menos desde 2015 para que esse código de conduta seja aceito pela comunidade de programação do kernel linux. Neste meio tempo varias outras comunidades virtuais adotaram o modelo como padrão de norte comportamental, citando algumas como exemplo; Projeto FreeBSD, Projeto RubyonRails, lista completa aqui.

O chefe do projeto linux, Linus Torvalds, é conhecido por ser ríspido em suas críticas e não poupar esforços para que a qualidade do código seja levada a máxima excelência, não economizando xingamentos quando observa algo que considera indevido no código do kernel. Tendo vários eventos que geraram polêmica como quando falou que um código era ”código de merda” ou quando simplesmente mandou a nvdia ir tomar naquele lugar, dizendo que ela estava sendo a pior empresa a qual o linux estava lidando.

Toda essa rispidez é bem vista pela maior parte da comunidade que atribui ao pulso firme e seriedade de Linus a relevância e eficiência do projeto kernel linux, porém essa abordagem sempre causou aborrecimentos com pessoas mais sensíveis psicologicamente em lidar com críticas diretas e sem rodeios. Todo esse contexto e ambiente elevou os ânimos para a implantação do novo código de conduta, o afastamento de Linus e o início oficial a toda polêmica.

Quem está por trás do CoC?

A criadora do Código de Conduta chamasse Coraline Ada Ehmke, é uma programadora que é conhecida principalmente por suas contribuições ao Ruby, militante de causas LGBTQQICAPF2K+ (te desafio a falar essa sigla em voz alta o mais rápido que puder) e por protagonizar um episódio onde um contribuidor foi expulso de um projeto, do qual Coraline Ada não tinha envolvimento técnico, apenas por considerar que ele foi preconceituoso em um comentário feito fora dos ambientes de produção, em um perfil pessoal no twitter. Outro caso, não diretamente dela porém de seus aliados, ocorreu na comunidade do node.js.

Outro caso que ocorreu recentemente desta vez foi na comunidade do projeto drupal, um projeto open-source que está por trás de um popular sistema de gerenciamento para a construção de websites, Larry Garfield  foi banido por suas praticas sexuais ligadas ao bdsm, motivação confirmada pelo Dries Buytaert um dos lideres do projeto.

Ainda outro caso é sobre a saída de  Rafael Ávila de Espíndola, um dos principais contribuidores do llvm sendo o 5º mais ativo, relatou os motivos por quais justifica a sua saída do projeto. Enfim, em meio a perseguições e brigas de cunho politico-ideológico em detrimento da qualidade do código e da livre colaboração, uma coisa é certa; tempos obscuros virão para a comunidade open-source se esse alvoroço e perseguições se perpetuar.

Regras para quem?

Um usuário que se identifica como Edward Cree na lista de discussão escreveu o seguinte;

“O novo código de conduta me faz sentir ameaçado e desconfortável.

Não, realmente. Como pessoa com Asperger (diagnosticada), sou membro de uma minoria marginalizada, objetivamente. Efetivamente (ou seja, isso é uma simplificação maciça), eu nasci sem o circuíto de interações sociais que é normalmente uma parte do cérebro humano; consequentemente, eu tenho que executar uma simulação de software lenta e imprecisa ao interagir com pessoas ‘normais’.

Em quase todas as comunidades em que participo, este é um fator constantemente limitante para mim. Mas há um mundo que é abençoadamente livre de tais coisas: o mundo do software de código aberto. É um dos últimos lugares em que minha neurodiversidade particular não me marca como Outro, não me força a observar cuidadosamente o que digo e a apresentar uma fachada falsamente construída no lugar da minha identidade real. Por aqui, nós não nos importamos com ‘sentimentos’; ou o código é bom ou ruim, e no segundo caso dizemos de forma direta e sem rodeios. Isso não significa apenas que eu não tenho que guardar minha língua ao criticar o patch de alguém, muito mais importante, significa que eu posso entender o que está sendo dito quando meus patches são criticados. (Quase todas as minhas melhores ideias e patches nasceram de alguém me dizendo que estou errado.)

A comunidade do kernel linux é um lugar sem política de escritório, sem subtextos sutis, sem dinâmica de dominância de primatas. Um lugar onde críticas podem ser graciosamente aceitas sem ter que se preocupar que admitir estar errado diminuirá seus status. Um lugar onde eu e pessoas como eu podemos nos sentir em casa e talvez até criar algo de valor.

E o pacto contribuinte parece muito com o nariz de camelo de uma tentativa de tomar aquele lugar, essa comunidade, longe de mim. Para substituí-lo por um pesadelo orwelliano, onde devo sempre duvidar do que é seguro dizer. […]

[…] Eu absolutamente não posso assinar este ‘Compromisso’ nem aceitar as ‘Responsabilidades’ para policiar o discurso de outros que fazem um dever de manutenção, e peço a liderança do projeto que reverta sua adoção[…]

Eu transcrevi neste post todas as partes mais relevantes do texto deste e-mail e gostaria que você respondesse essa pergunta em sua mente: É mais fácil um neuro típico, que é a pessoa ‘normal’, mesmo com diversos traumas, aprender e adquirir maturidade emocional para lidar com críticas sem se ofender ou alguém que é neurologicamente diferente conseguir emular em sua cabeça de forma rápida e concisa todas as nuanças sociais que, por padrão, o seu cérebro não consegue processar com facilidade?

Roupagem nova, interesses velhos

O mundo open-source tem uma relação de amor e ódio com várias grandes instituições e governos no mundo. Frequentemente os desenvolvedores do projeto se veem fortemente pressionados para cederem aos mais diversos desejos que abrange desde as coisas simples até complexas e polêmicas, como um pedido da NSA feito ao Linus Torvalds afim de incluir no código-fonte do linux backdoors.

Esse interesse absurdo por censura e controle ao longo do tempo se mostra de diversas maneiras. Em algumas iniciativas assume a roupagem como defensor dos produtores de conteúdo, já em outras usa o pretexto de segurança nacional para atingir seus objetivos. Infelizmente temos nossas versões nacionais deste tipo de tentativa, tais como; o projeto que propõe solicitar o CPF de usuários, o PSOL solicitar a Justiça que proibisse o Whatsapp durante as eleições, etc..

O papel de grandes corporações

A relação do open-source com o mercado e empresas sempre foi conturbado. Por um lado, contribuem ativamente com todo o mundo do software aberto e até com o livre, pois é esta é a melhor forma de se obter avanços significativos na qualidade de maneira rápida, obtendo sempre feedbacks detalhados e valiosos para a resolução de bugs e demais problemas, como uma interface ou design ruim, etc.

A microsoft que hoje flerta com o mundo open-source também é a microsoft que em um passado recente chegou a se referir ao projeto linux como um cancer , além de recentemente dificultar a adoção de distribuições linux em conjunto com o windows 8 e 10 e mesmo hoje, com os ambientes de atuação de cada uma das organizações mais bem delimitado, o linux ainda é considerado uma  “ameaça de retrovisor“, segundo o ex-CEO steve ballmer.

Muito além da competição técnica

A briga que o movimento open-source sempre trouxe para o mercado vai muito alem de apenas dinheiro. É uma filosofia de liberdade que incomoda as grandes corporações e governos pois dá todo o poder de escolha e participação para o usuário. Coloca o usuário em tal evidencia que atrapalha qualquer plano de dominação ou controle. Essa rivalidade vai desde a microsoft até a Google, mesmo esta ultima sendo muito mais amigável a iniciativa de software livre. Vai da china que a tempos procura controlar cada aspecto da vida de seus cidadãos,  passa pela união europeia e chega até às Américas.

E é ai que pode cair bem a pergunta; Será que alguma empresa ou governo, seja de maneira direta ou indireta, está  contribuindo para esse cenário?

Como relatado no primeiro post desta serie, a adoção deste código de conduta abre precedentes, e já foi usado para este fim, para perseguição de opositores ou desafetos.  Enfim é apenas um convite a reflexão da comunidade. E você, já parou para pensar nisso?!

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