Apple contrata Intel para fabricar chips M: o que muda?

Análise: A Apple pode contratar a Intel para fabricar os chips M de entrada no processo 18A, mudando a guerra dos semicondutores.

Escrito por
Jardeson Márcio
Jardeson Márcio é Jornalista e Mestre em Tecnologia Agroalimentar pela Universidade Federal da Paraíba. Com 8 anos de experiência escrevendo no SempreUpdate, Jardeson é um especialista...

A possibilidade de a Apple usar chip Intel a partir de 2027 marcou uma das notícias mais inesperadas do mercado de semicondutores nos últimos meses. Após romper com a Intel em 2020 para adotar seus próprios chips ARM, a Apple agora pode voltar à empresa, mas em um papel completamente diferente. Em vez de fornecer processadores x86, a Intel seria a fundição responsável por fabricar parte dos chips Apple Silicon da série M, especialmente os modelos de entrada.

Esse movimento sinaliza uma mudança estratégica significativa, tanto para a Apple quanto para a Intel. Não se trata de reverter a transição para ARM, e sim de fortalecer a cadeia de suprimentos da Apple e acelerar o renascimento da Intel como fundição por meio do processo 18A, um dos mais avançados planejados para o fim da década. Segundo o analista Ming-Chi Kuo, essa parceria pode cobrar forma já em 2027, marcando um dos capítulos mais curiosos da guerra tecnológica global.

Mais do que uma curiosidade histórica, essa decisão responde a pressões de mercado, riscos geopolíticos e necessidades de escala. O setor de semicondutores vive hoje um rearranjo profundo, e a possibilidade de fabricação Apple Silicon pela Intel é uma das pistas mais claras desse novo cenário.

O que muda: Intel como fundição, não designer

Intel revela GPU Crescent Island com 160GB para workloads de inferência
Fonte: Tom’s Hardware

Para entender a dimensão do acordo, é essencial separar os papéis. No passado, a Intel atuava como designer e fabricante dos processadores x86 usados nos Macs. Agora, caso a parceria se concretize, ela atuará apenas como fundição, produzindo chips totalmente projetados pela Apple, baseados na arquitetura ARM.

Essa mudança de função é mais do que simbólica. Para a Intel, representa uma vitória estratégica para o Intel Foundry Services (IFS), que busca conquistar clientes de grande escala para competir diretamente com a TSMC e a Samsung. Conseguir fabricar chips M de entrada seria um selo de confiança da Apple, uma das empresas mais exigentes do mundo em termos de qualidade e eficiência térmica.

Para a Apple, trata-se de aumentar a segurança da cadeia de suprimentos. A TSMC continua sendo parceira central para chips mais avançados, mas depender exclusivamente dela é um risco crescente, especialmente considerando as tensões envolvendo Taiwan.

O poder do processo 18A e a diversificação de suprimentos

O processo 18A é a grande aposta da Intel para reconquistar a liderança tecnológica. Ele promete litografia abaixo de 2 nm, uso de transistores RibbonFET e interconexões mais eficientes via PowerVia, o que pode oferecer ganhos no consumo e no desempenho.

Para a Apple, esse processo pode tornar a fabricação Apple Silicon pela Intel uma alternativa segura para os chips da série M voltados ao público geral, como os presente no MacBook Air e no iPad Air. São produtos de alta demanda e margens importantes, e cuja fabricação exige capacidade volumosa e confiável.

Aceitar a Intel como fornecedora diversifica riscos e amplia a capacidade de produção global dos chips Apple Silicon, sem comprometer os chips premium fabricados pela TSMC.

A importância do “Made in America”

O fator geopolítico pesa significativamente. A produção de chips avançados é hoje um tema de segurança nacional nos Estados Unidos, e a criação de uma cadeia de suprimentos local ou pelo menos mais diversificada é prioridade para o governo e para grandes empresas americanas.

A parceria Apple e Intel permitiria que parte dos chips fosse produzida em território americano ou em instalações sob forte influência dos EUA, reduzindo a dependência de Taiwan e aumentando a resiliência contra tensões geopolíticas e crises globais de suprimentos. Isso também reforça o alinhamento da Apple com políticas industriais norte-americanas, especialmente diante dos incentivos do CHIPS Act.

Implicações para o futuro da série M e para o consumidor

Se a Intel realmente fabricar os chips M de entrada, uma das maiores dúvidas é se haverá diferença real entre versões produzidas pela Intel e pela TSMC. Em teoria, como os chips são projetados pela Apple, o desempenho deve ser praticamente idêntico, desde que o processo 18A entregue o que promete.

No entanto, pequenas variações podem surgir em consumo energético e estabilidade térmica, algo que a Apple conhece bem ao trabalhar com múltiplas fundições no passado. Ainda assim, o impacto para o consumidor final tende a ser mínimo, especialmente nos modelos mais básicos, cujo foco é eficiência e autonomia.

Os chips M Pro, Max e Ultra provavelmente continuarão exclusivamente com a TSMC, que mantém liderança comprovada em processos de ponta. Isso cria um equilíbrio interessante: a Intel ganha escala e prestígio produzindo chips de grande volume, enquanto a TSMC mantém o protagonismo nos modelos premium.

Esse movimento também reforça a maturidade da Apple como designer de chips, capaz de negociar com múltiplas fundições e otimizar sua produção global conforme necessidade, algo antes impensável na era Intel.

Conclusão: a nova era da guerra dos chips

A possível parceria entre Apple e Intel para a produção dos chips M de entrada não representa um retrocesso tecnológico, mas sim uma estratégia sofisticada na disputa global por capacidade, eficiência e independência na fabricação de semicondutores. Para a Apple, usar a Intel como fundição é uma forma inteligente de diversificar sua cadeia de suprimentos, fortalecer sua autonomia e aproveitar o processo 18A para aumentar sua escala de produção.

Para a Intel, é uma chance de provar que pode competir com a TSMC em tecnologia avançada, reposicionando a empresa em uma disputa onde ela deixou de ser protagonista. Já para os consumidores, significa mais estabilidade, preços potencialmente mais previsíveis e um ecossistema Apple Silicon ainda mais resiliente.

Agora, a grande questão para o público é clara: essa diversificação da Apple é um risco ou uma jogada visionária?

Compartilhe este artigo