Apple é multada na Itália por uso anticompetitivo da privacidade

Decisão histórica expõe o uso da privacidade como vantagem competitiva no iOS.

Escrito por
Jardeson Márcio
Jardeson Márcio é Jornalista e Mestre em Tecnologia Agroalimentar pela Universidade Federal da Paraíba. Com 8 anos de experiência escrevendo no SempreUpdate, Jardeson é um especialista...

A Apple é multada na Itália por privacidade em uma decisão que reacende o debate sobre os limites entre proteção de dados e concorrência justa no setor de tecnologia. A Autoridade Italiana da Concorrência, a AGCM, aplicou uma multa de € 98,6 milhões, cerca de R$ 640 milhões, após concluir uma investigação de dois anos sobre a forma como a Apple implementou seu mecanismo de controle de rastreamento no iOS. Para o órgão regulador, a empresa usou a narrativa da privacidade para criar vantagens competitivas indevidas, prejudicando desenvolvedores de aplicativos e distorcendo o mercado de publicidade digital.

Segundo a decisão, o problema não está na defesa da privacidade em si, mas na maneira como a Apple estruturou as regras. Ao impor exigências mais duras a aplicativos de terceiros e manter maior flexibilidade para seus próprios serviços, a empresa teria abusado de sua posição dominante no ecossistema do iPhone.

O que é o App Tracking Transparency e por que ele gerou polêmica

O App Tracking Transparency é um mecanismo introduzido pela Apple no iOS 14.5 com o objetivo declarado de dar mais controle aos usuários sobre o uso de seus dados. Na prática, ele exige que aplicativos peçam autorização explícita antes de rastrear a atividade do usuário em outros apps e sites, algo essencial para a publicidade personalizada e para a medição de campanhas.

Sempre que um aplicativo tenta acessar dados usados para rastreamento, o sistema exibe um aviso solicitando consentimento. Caso o usuário recuse, o app perde acesso a identificadores usados para segmentação de anúncios. Do ponto de vista técnico, isso reduz drasticamente a coleta de dados entre plataformas e limita práticas consideradas invasivas.

Inicialmente, a medida foi bem recebida por defensores da privacidade. No entanto, rapidamente surgiram críticas do mercado. Desenvolvedores e empresas de publicidade apontaram que a mudança afetou de forma desproporcional aplicativos independentes, enquanto grandes plataformas com acesso a dados próprios conseguiram se adaptar com mais facilidade. É nesse contexto que a Apple é multada na Itália por privacidade, pois os reguladores entenderam que a empresa se beneficiou dessa assimetria.

Logotipo da Apple em estilo futurista com contornos coloridos em um fundo preto.

O problema do consentimento duplo para desenvolvedores terceiros

Um dos pontos mais sensíveis da decisão da AGCM é a exigência de um chamado “consentimento duplo” para aplicativos de terceiros. De acordo com a autoridade, a Apple obriga desenvolvedores externos a apresentar múltiplas solicitações de autorização para coleta e uso de dados, combinando as regras do sistema de rastreamento do iOS com outras exigências legais, como as previstas no GDPR.

Esse processo torna a experiência do usuário mais confusa e reduz as taxas de aceitação, impactando diretamente a monetização de aplicativos que dependem de publicidade. Ao mesmo tempo, os serviços da própria Apple, como anúncios internos na App Store, não enfrentariam o mesmo nível de restrição operacional.

Para a AGCM, essa diferença de tratamento cria um desequilíbrio competitivo. A Apple, como controladora do sistema operacional, estaria impondo condições mais severas aos concorrentes enquanto preserva vantagens para si mesma. Esse comportamento foi classificado como abuso de posição dominante, reforçando o entendimento de que a Apple é multada na Itália por privacidade não por proteger dados, mas por usar esse argumento de forma estratégica.

O cerco europeu às práticas da Apple

A multa aplicada na Itália não é um episódio isolado. Autoridades de outros países europeus já adotaram medidas contra práticas semelhantes da Apple. Na França, reguladores exigiram ajustes na forma como o sistema de consentimento é apresentado aos usuários, justamente para reduzir efeitos anticompetitivos. Na Alemanha, a empresa passou a ser monitorada de perto após ser considerada de importância central para a concorrência digital.

Essas ações fazem parte de um movimento mais amplo na União Europeia para limitar o poder das grandes plataformas. Leis e regulações recentes buscam garantir que empresas que controlam ecossistemas digitais não usem essa posição para favorecer produtos próprios. Nesse cenário, a decisão italiana reforça a ideia de que a Apple é multada na Itália por privacidade dentro de um contexto regulatório cada vez mais rigoroso.

A resposta da Apple e os próximos passos do caso

Em comunicado oficial, a Apple afirmou que discorda da decisão da AGCM e reiterou sua visão de que a privacidade é um direito humano fundamental. A empresa defende que o App Tracking Transparency foi criado para dar transparência aos usuários e que todas as empresas, inclusive a própria Apple, estão sujeitas às mesmas regras.

A companhia também confirmou que pretende recorrer da multa. Segundo seu posicionamento, o sistema de consentimento não impede a concorrência, apenas obriga desenvolvedores a respeitarem as escolhas dos usuários sobre o uso de dados pessoais. O recurso deve levar o caso a instâncias superiores e pode prolongar o debate por anos.

Independentemente do resultado final, o processo já cria um precedente importante para futuras decisões regulatórias envolvendo privacidade, publicidade digital e poder de mercado.

O que muda para usuários e para o mercado de aplicativos

Para os usuários, o caso levanta uma questão fundamental: como equilibrar proteção de dados e diversidade de serviços. O sistema de controle de rastreamento aumentou a conscientização sobre privacidade e reduziu práticas abusivas, mas também pode afetar a sustentabilidade de aplicativos gratuitos que dependem de anúncios.

Para o mercado, a mensagem é clara. Privacidade não pode ser usada como justificativa para práticas que limitem a concorrência. A decisão que levou à conclusão de que a Apple é multada na Itália por privacidade mostra que reguladores europeus estão dispostos a analisar não apenas a intenção declarada das empresas, mas também os efeitos reais de suas políticas.

O desafio daqui para frente será encontrar um modelo em que a proteção de dados caminhe lado a lado com um ambiente competitivo, inovador e justo para desenvolvedores, usuários e empresas de tecnologia.

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