O alerta acendeu em vermelho. O Brasil entrou oficialmente no grupo dos 15 piores países do mundo em risco de fraude digital e hoje é o país com a pior classificação da América Latina. No recém-divulgado Global Fraud Index 2025, produzido pela Sumsub em parceria com a Statista, o país aparece na 101ª posição entre 112 nações avaliadas, consolidando a imagem de um mercado altamente exposto a golpes e crimes financeiros.
Mais do que um dado de ranking, isso é um sintoma. Quando a combinação entre instabilidade econômica, transformação digital acelerada e regulação pouco efetiva se encontra, o resultado é um país com “placa de alvo” pendurada na economia. É exatamente esse quadro que o índice descreve ao falar de Brasil risco de fraude global.
Brasil cai no ranking e vira lanterna da América Latina

O movimento é de piora, não de estabilidade. Na primeira edição do índice, em 2024, o Brasil ocupava a 96ª posição entre 103 países. Um ano depois, com a ampliação da amostra para 112 nações, o país despenca para o 101º lugar, entrando no grupo de risco elevado ao lado de mercados como Paquistão, Indonésia, Nigéria e Índia, todos entre os menos protegidos contra fraude digital.
Na prática, isso significa que, na fotografia global, o Brasil está mais vulnerável hoje do que estava há um ano, mesmo em um cenário em que diversos países também enfrentam o aumento de golpes digitais. O índice mostra que o país piorou em “Saúde Econômica” e “Intervenção Governamental” e apenas avançou em “Acesso a recursos digitais”, uma combinação que aumenta o risco em vez de reduzi-lo.
Dentro da América Latina, o contraste é claro. Enquanto o Uruguai aparece na 30ª posição global como o país mais protegido da região, o Brasil figura entre os lanternas, ao lado da Colômbia, no grupo de nações “menos protegidas contra fraude digital”. Nenhum país latino-americano aparece no Top 15 dos mais seguros, o que reforça um desafio regional, mas o Brasil hoje é o caso mais crítico entre as grandes economias.
O que o Global Fraud Index realmente mede (não é só contar golpes)
Um dos pontos centrais do Global Fraud Index é que ele não mede apenas o volume bruto de ataques. Não se trata de uma “tabela de goleadores” da fraude, e sim de um raio X da exposição ao risco de cada país.
O estudo combina dados internos da Sumsub, que realiza mais de 1 milhão de verificações por dia, com bases externas como Banco Mundial, The Heritage Foundation, Oxford Insights, Transparência Internacional e outros bancos de dados globais.
A avaliação é organizada em quatro pilares principais:
- Fraud activity (50%): mede a gravidade da atividade fraudulenta, incluindo redes de fraude e indicadores de AML (Anti-Money Laundering).
- Resource accessibility (20%): olha para o acesso a serviços digitais e poder de compra, como internet, inclusão financeira e capacidade de consumo.
- Government intervention (20%): avalia o quão efetivos são o arcabouço regulatório, a supervisão e a capacidade de resposta a incidentes.
- Economic health (10%): analisa estabilidade macroeconômica, o que influencia diretamente a pressão por práticas ilícitas.
Ou seja, o índice tenta responder a uma pergunta incômoda: quão fácil é a vida do fraudador em cada país? E, no caso do Brasil, a resposta não é nada confortável.
O “triângulo da fraude” e o Brasil como terreno fértil
Para organizar essa leitura, o Global Fraud Index usa a hipótese clássica do “Triângulo da Fraude”. Em termos simples, é a combinação de três fatores que aumenta o risco de fraude: pressão, oportunidade e racionalização.
No contexto digital brasileiro, isso se traduz assim:
- Pressão: um cenário de instabilidade econômica, endividamento elevado de famílias e empresas e uma economia em que muita gente sente que “precisa dar um jeito para sobreviver”.
- Oportunidade: um país hiperconectado, com uso massivo de pagamentos instantâneos, e-commerce, apps de FinTech e serviços digitais, mas com controles antifraude ainda desiguais entre setores e empresas.
- Racionalização: a percepção de impunidade, burocracia lenta e a sensação de que “todo mundo faz alguma coisa errada” criam terreno para justificar condutas ilícitas.
Quando você junta essas três pontas em um ambiente digital em hiperexpansão, o resultado é um ecossistema em que fraude deixa de ser exceção e vira risco estrutural de negócio. Não é só o pequeno golpe aqui e ali; é uma ameaça que precisa ser tratada como risco sistêmico, ao nível de disponibilidade de sistemas ou risco de crédito.
América Latina dividida: Uruguai na frente, Brasil e Colômbia no fim da fila
A fotografia regional mostra uma América Latina em posição intermediária, com alguns países melhorando sua resiliência e outros ficando para trás.
O destaque positivo é o Uruguai, que aparece na 30ª posição global, com um índice de fraude de 1,99, liderando a região em proteção. O Peru também é citado como caso de avanço, subindo 24 posições em relação ao ano anterior, enquanto países como Guiana caíram fortemente no ranking.
Já o Brasil segue na direção oposta. Em análise da KPMG México, o país é citado ao lado da Colômbia como um dos menos protegidos contra fraude digital na América Latina, em um contexto em que nenhum país da região figura entre os mais resilientes do mundo. O recado dos especialistas é que a região precisa fortalecer capacidades de prevenção, mas o Brasil está entre os casos mais urgentes.
Como resume um dos executivos da KPMG, construir uma cultura antifraude sólida, especialmente na América Latina, exige ética, compliance, inclusão financeira e colaboração intersetorial, alinhando controle de fraude com a pauta de ESG e inclusão, e não apenas com metas de curto prazo.
A ameaça da IA: fraude em “modo turbo”
Se o cenário já era complexo, a entrada da IA (Inteligência Artificial) no jogo elevou a aposta. Para os analistas que participam do estudo, a questão não é mais se a IA será usada por fraudadores, e sim quanto isso acelera e sofistica os golpes.
Timothy Owens, especialista em tecnologia e IA e líder de pesquisa na Statista, reforça dois pontos que viram praticamente um mantra para quem lidera times de tecnologia e risco: “proteção contra fraudes não é sobre geografia, é sobre governança” e a exposição à fraude deve ser tratada como “tempo de disponibilidade dos sistemas”, com monitoramento constante e prioridade máxima.
Ao mesmo tempo, o relatório destaca que ferramentas de IA cada vez mais poderosas estão nas mãos dos criminosos, facilitando desde a criação de documentos sintéticos até deepfakes e engenharia social altamente personalizada. Isso torna insuficiente qualquer abordagem baseada apenas em ferramentas tradicionais ou em checagens pontuais.
Na prática, empresas que seguem tratando fraude como um “custo opcional” ou um projeto de TI periférico acabam se colocando no lado errado da estatística, especialmente em países que já carregam um rótulo como o de Brasil risco de fraude global.
O que empresas brasileiras precisam fazer agora
O retrato do índice é duro, mas não é uma sentença final. Ele funciona como um painel de controle que mostra onde estão as maiores vulnerabilidades e onde as decisões corporativas podem fazer diferença real.
Para empresas brasileiras de todos os portes, especialmente em FinTech, meios de pagamento, varejo digital e serviços financeiros, o recado é direto:
- Tratar fraude como risco sistêmico
Colocá-la na mesma prateleira de continuidade de negócios, cibersegurança e risco regulatório, com reporting recorrente ao conselho e envolvimento da alta gestão. - Adotar tecnologias de verificação e prevenção adaptativas
Plataformas de KYC, KYB e monitoramento contínuo com uso responsável de IA, capazes de se ajustar rapidamente a novos vetores de ataque, são hoje peças básicas de infraestrutura, não “extras de luxo”. - Fortalecer governança e colaboração
Compartilhar informações sobre padrões de fraude entre empresas e setores, participar de associações de mercado e trabalhar em sintonia com reguladores é essencial para reduzir a oportunidade no triângulo da fraude. - Conectar antifraude à agenda ESG e de inclusão
Como apontam especialistas da KPMG, programas antifraude efetivos também devem garantir acessibilidade, inclusão e proteção de consumidores vulneráveis, evitando respostas que apenas ampliem exclusão financeira em nome do risco.
Em resumo, o Global Fraud Index 2025 joga luz sobre algo que muitos executivos já sentiam no dia a dia, mas talvez ainda não tratassem com a devida prioridade: o Brasil não está apenas “sofrendo mais golpes”, ele está estruturalmente mais exposto. E, em um mundo em que a IA acelera tanto os negócios quanto o crime, ignorar esse alerta é, por si só, assumir um risco desnecessário.
