Canonical e o código proprietário: como a mantenedora do Ubuntu equilibra código aberto e fechado

Escrito por
Emanuel Negromonte
Emanuel Negromonte é Jornalista, Mestre em Tecnologia da Informação e atualmente cursa a segunda graduação em Engenharia de Software. Com 14 anos de experiência escrevendo sobre...

Entenda como a Canonical equilibra código aberto e negócios com o modelo open core: Ubuntu gratuito, serviços pagos e inovação sustentável.

A Canonical, empresa por trás do Ubuntu, é amplamente reconhecida por sua contribuição ao mundo do código aberto. No entanto, o modelo de negócios adotado por ela não é puramente baseado em software livre. Ao contrário, a Canonical utiliza uma estratégia conhecida como open core — um modelo híbrido que combina componentes open source com funcionalidades ou serviços proprietários, geralmente voltados ao mercado corporativo.

Este artigo detalha como a Canonical aplica esse modelo, quais são os exemplos práticos dessa abordagem, e analisa os impactos para a comunidade de código aberto.

O que é o modelo open core?

O open core é uma abordagem de negócios em que a base de um software é open source, mas recursos adicionais, serviços premium ou integrações específicas são fechados ou licenciados de forma restrita.

Esse modelo tenta equilibrar dois mundos:

  • Colaboração e inovação comunitária por meio do código aberto
  • Sustentabilidade financeira por meio da oferta de produtos e serviços pagos

Empresas como GitLab, Elastic, MongoDB, Red Hat (com algumas nuances) e Canonical adotam variações do open core.

Como a Canonical aplica o modelo open core

A Canonical promove o Ubuntu como um sistema operacional livre e gratuito — e, de fato, ele é. Mas ao redor dessa base estão diversos produtos e serviços que seguem a lógica do open core:

1. Multipass (até a versão 1.16.0 RC3)

  • O Multipass, ferramenta leve para criar VMs Ubuntu em Windows, macOS e Linux, tinha partes proprietárias para suporte a sistemas não-Linux.
  • A versão 1.16.0 RC3 tornou toda a base open source, eliminando essa barreira. Mas até então, o projeto era um exemplo clássico de núcleo aberto com partes fechadas.

2. Landscape

  • Ferramenta de gerenciamento de infraestrutura Ubuntu em larga escala.
  • É comercial e proprietária. Não está disponível para instalação livre como o Ubuntu.
  • Oferece funcionalidades exclusivas para empresas, como monitoramento centralizado, atualizações em massa e suporte corporativo.

3. Livepatch

  • Serviço que permite aplicar atualizações de kernel sem reinicializar o sistema.
  • É gratuito para uso pessoal limitado a 3 máquinas, mas o serviço completo é pago para uso corporativo.

4. Snap Store (backend)

  • O cliente Snap (snapd) é open source.
  • No entanto, o servidor da Snap Store (o backend que gerencia os pacotes e o processo de publicação) é fechado e controlado exclusivamente pela Canonical.
  • Isso gera críticas na comunidade por centralização e falta de transparência, mesmo sendo um ecossistema supostamente aberto.

5. Suporte técnico e certificações

  • A Canonical oferece suporte técnico comercial e serviços como certificação de hardware e clouds, o que representa grande parte da receita da empresa.

Por que a Canonical adota esse modelo?

A Canonical, como qualquer empresa, precisa ser financeiramente sustentável. A manutenção do Ubuntu, o desenvolvimento de ferramentas, o suporte a arquiteturas e a inovação tecnológica exigem recursos.

O modelo open core permite que a Canonical:

  • Financie o desenvolvimento de software livre com receita corporativa
  • Mantenha controle sobre elementos estratégicos (como a Snap Store)
  • Construa soluções empresariais com alto valor agregado
  • Ofereça suporte e integração certificados para empresas

Impactos para a comunidade open source

Pontos positivos:

  • O modelo garante a continuidade de projetos open source como o Ubuntu.
  • Muitas ferramentas desenvolvidas pela Canonical são, de fato, completamente abertas e recebem contribuições da comunidade (como o LXD, Juju, MAAS).
  • A comunidade se beneficia de ferramentas gratuitas e de alto nível para uso pessoal e educacional.

Pontos negativos e críticas:

  • Alguns serviços essenciais são fechados, o que reduz a autonomia da comunidade (como o backend do Snap).
  • A centralização de decisões em torno da Canonical pode gerar conflitos de interesse com o espírito da governança comunitária.
  • O modelo open core cria dependência comercial para empresas que desejam usar o Ubuntu de forma mais robusta.

Comparação com outras empresas open source

EmpresaModeloProdutos open sourceComponentes fechados / pagos
CanonicalOpen coreUbuntu, Snapd, LXD, etc.Landscape, Snap Store backend, Livepatch
Red HatOpen source com suporte pagoRHEL (via CentOS Stream, Fedora)Suporte técnico e certificações
GitLabOpen coreGitLab CEGitLab EE (features premium)
ElasticOpen core / BSLElasticsearch OSSElastic Cloud, plugins comerciais

Conclusão: equilíbrio entre liberdade e sustentabilidade

O modelo open core adotado pela Canonical não é uma traição ao open source — mas sim uma estratégia para manter vivo e competitivo um ecossistema que exige investimento contínuo.

Embora gere debates válidos sobre centralização, governança e transparência, o modelo permitiu à Canonical entregar um sistema como o Ubuntu a milhões de pessoas, gratuitamente, por mais de 20 anos.

Para usuários finais, a maior parte do ecossistema Canonical permanece aberta e acessível. Para empresas, o custo entra como parte de um modelo de confiança, suporte e estabilidade, que sustenta o crescimento contínuo do código aberto.

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