O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) publicou, nesta terça (26/8), uma nota pública recomendando que o governo não adote a chamada “taxa de rede” — também conhecida como “Fair Share” — proposta por parte do setor de telecomunicações. Na prática, a cobrança criaria uma tarifa extra sobre provedores de aplicações (streaming, jogos, redes sociais, e-commerce) por gerarem alto volume de tráfego. O comitê vê risco real de repasse de custos ao consumidor, impacto negativo à inovação e potencial conflito com a neutralidade de rede garantida pelo Marco Civil da Internet.
O que é a polêmica “taxa de rede”?
Imagine a internet como uma malha de estradas onde quem dirige (você, usuário) já paga pedágio e combustível para circular. A taxa de rede colocaria um segundo pedágio, não em você diretamente, mas nos aplicativos que você usa. Parece distante? Só que esses aplicativos, para continuar funcionando, tendem a repassar o novo custo — o que pode encarecer assinaturas e reduzir opções de conteúdo. É por isso que o CGI.br taxa de rede virou assunto quente: mexe no bolso e na variedade do que você consome online.
Por que o CGI.br é contra

O comitê estruturou sua posição em três linhas que conversam com o dia a dia de quem usa internet:
- O sistema atual funciona e é sustentável. O tráfego cresce porque as pessoas demandam serviços — e os usuários já pagam pela conexão. A internet brasileira é resiliente, com muitos provedores e um ecossistema que evita concentração. Em outras palavras: mais tráfego significa mais utilidade, não um “defeito” a ser tarifado.
- A cobrança colide com a neutralidade de rede. O Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) determina tratamento isonômico aos pacotes de dados — sem discriminação por conteúdo, origem, destino, serviço, terminal ou aplicação. Criar um “pedágio de tráfego” para certos provedores de aplicações abre brecha para tratamento desigual, o que contraria o Artigo 9º do Marco Civil.
- Danos a consumidores e competição. O comitê alerta para repasse de custos, redução de diversidade de serviços, barreiras a novos entrantes (startups e PMEs) e até risco à performance e resiliência da rede — efeitos colaterais que desestimulam inovação e podem concentrar mercado nas mãos de poucos.
O que está em jogo para você
Se a taxa avançasse, o impacto mais imediato seria preço (assinaturas mais caras ou planos “enxutos”) e menos escolha (plataformas cortando funcionalidades, qualidade de vídeo ou abandonando o mercado). No médio prazo, novos serviços — como um streaming brasileiro de nicho ou uma plataforma de educação — teriam mais dificuldade para nascer e escalar. Isso congela a competição e enfraquece o ecossistema que, hoje, consegue equilibrar interesses por meio de acordos de interconexão e peering sem intervenção tarifária adicional.
Neutralidade de rede: por que é a espinha dorsal da internet aberta
A neutralidade de rede é um princípio simples e poderoso: todo pacote de dados deve ser tratado de forma igual, sem preferência para quem paga mais ou punição para quem gera mais tráfego. Este princípio virou lei no Brasil com o Marco Civil da Internet — e é ele que impede, por exemplo, que um provedor de telecomunicações degrade um serviço concorrente ou cobre “extra” para entregar o mesmo conteúdo na mesma qualidade. Uma taxa de rede cria incentivos para priorizar uns e penalizar outros, corroendo a regra do jogo que mantém a internet livre, aberta e inovadora.
“Mas não é justo quem usa mais pagar mais?”
Essa pergunta parece lógica — como na conta de luz, quem consome mais paga mais. Só que, na internet, o usuário final já paga: pelo plano de banda larga ou pelo pacote móvel. O CGI.br reforça que os custos de conexão já são cobertos por quem demanda o tráfego. A partir daí, as redes negociam entre si (peering, trânsito, CDNs) num mercado descentralizado que tem funcionado justamente porque não é verticalizado como o modelo cliente-fornecedor clássico das telecomunicações. Quando se cria uma taxa, quebra-se esse equilíbrio e abre-se caminho para cobrar duas vezes pelo mesmo tráfego — um desvio do arranjo que viabilizou a internet que conhecemos.
O contexto regulatório: Anatel e Congresso
O tema não nasceu ontem: foi objeto de tomadas de subsídios na Anatel e segue em debate no Congresso. Em 2024, a agência abriu consulta sobre deveres dos usuários e, desde então, o assunto “Fair Share” vem aparecendo nas discussões públicas — com a própria Anatel indicando que só haveria avanço se houvesse evidência de falha de mercado, algo que permanece controverso. Em paralelo, projetos de lei tramitam na Câmara, incluindo propostas que vedam a “taxa de rede”, mostrando que o Legislativo também percebe riscos à neutralidade e à competição.
O que recomenda o CGI.br ao governo
A mensagem central é direta: não adotar, por via normativa, modelos de cobrança a provedores de aplicações que violem a neutralidade de rede ou imponham ônus ao consumidor final. Em vez disso, preservar o modelo multissetorial e colaborativo — com redes autônomas negociando interconexão e pontos de troca de tráfego espalhados pelo país, um ativo que reduz custos e melhora desempenho para todo mundo. O comitê também se coloca à disposição para colaborar tecnicamente com Executivo, Anatel e Congresso.