Os laptops Windows‑on‑Arm (WoA) equipados com o Qualcomm X Elite estão surgindo como concorrentes sérios aos tradicionais notebooks x86, prometendo alta performance, baixo consumo de energia e recursos avançados de aceleração por GPU, NPU e codecs de mídia. No entanto, para a comunidade Linux, transformar esse potencial em uma experiência “fora da caixa” ainda exige trabalho árduo — especialmente quando o alvo é uma distribuição tão universal quanto o Debian.
Durante a DebConf 2025, Christopher Obbard — Tech Lead na Linaro Ltd. e Debian Developer (DD) — apresentou um panorama minucioso dos gargalos técnicos que impedem o Debian de rodar plenamente nesses dispositivos. Ele elencou seis problemas‑chave: ACPI vs. Device Tree, a necessidade de um kernel bleeding‑edge, a ausência de firmware no LVFS, lacunas em firmware específico de dispositivo, funcionalidade limitada da câmera e a carência de documentação estruturada. Este artigo aprofunda cada um desses pontos, analisa as soluções já em curso e propõe caminhos colaborativos para acelerar o suporte ao ARM64 na plataforma.
O potencial dos laptops Windows‑on‑Arm com Qualcomm X Elite e o desafio Debian

Modelos WoA com Qualcomm X Elite oferecem entre oito e doze núcleos ARM64 rodando a aproximadamente 3,4 GHz, construídos sobre firmware EDK II que segue o fluxo de boot EFI. Eles vêm naturalmente com Windows 11, mas entusiastas e desenvolvedores logo percebem que, sob a carcaça leve e eficiente, existe hardware pronto para abrigar uma distribuição Linux completa. A notícia recente de que o Snapdragon X Elite deve receber suporte oficial para Linux reforça esse entusiasmo.
Qualcomm X Elite: performance ARM64 comparável ao Apple M1/M2
Benchmarks preliminares apontam que o X Elite atinge níveis de desempenho semelhantes aos chips Apple M1/M2, tanto em cargas de CPU quanto em workloads acelerados por GPU. Essa equivalência demonstra que a arquitetura ARM64 alcançou maturidade para rivalizar com soluções x86 e Apple Silicon, mantendo temperaturas baixas e prolongando a autonomia — um atrativo extra para quem deseja compilar pacotes ARM64 nativamente em um notebook fino, silencioso e econômico.
Por que Debian nesses laptops? Performance, energia e desenvolvimento
O Debian se destaca pela estabilidade e pelo vasto repositório de pacotes. Em máquinas ARM64, ele é plataforma ideal para desenvolvedores, testadores de cross‑compilation ou usuários que querem liberdade total de personalização. Além disso, a base sólida do projeto — que acaba de passar pelo hard freeze do Debian 12 “Bookworm” — garante suporte a longo prazo.
Os pilares do problema: ACPI, Kernel e Firmware
Apesar do potencial, três pilares técnicos bloqueiam uma experiência “plug‑and‑play”:
- ACPI vs. Device Tree (DT) – o firmware não fornece um Device Tree Blob (DTB) ao kernel Linux, impossibilitando a descoberta de componentes como controladores de vídeo ou armazenamento.
- Kernel bleeding‑edge – muitos drivers essenciais ainda não chegaram ao mainline, exigindo árvores de desenvolvimento com dezenas de patches extras.
- Firmware e LVFS – sem atualizações distribuídas via fwupd/LVFS, controladores de toque, áudio, Wi‑Fi e gestão de energia podem ficar desatualizados.
Nos tópicos seguintes destrinchamos cada desafio.
Problema #1: ACPI vs. Device Tree – a barreira da descoberta de hardware
Plataformas WoA descrevem hardware via ACPI (Advanced Configuration and Power Interface), enquanto o kernel Linux ARM64 espera um Device Tree. Sem um DTB apropriado, subsistemas vitais (por exemplo, o display controller) permanecem invisíveis ao sistema operacional.
Workarounds atuais
- DTB hard‑coded no bootloader (GRUB, U‑Boot).
- Menu de múltiplos DTBs para que o usuário escolha o modelo durante o boot.
Caminho de longo prazo
Padronizar a passagem automática do DTB no fluxo de boot EFI e, paralelamente, melhorar a interpretação de ACPI pelo kernel.
Problema #2: Suporte ao Kernel – a busca por um kernel bleeding‑edge e a estabilização
Drivers para Wi‑Fi, Bluetooth, áudio, sensores, USB‑C e PCIe externos ainda vivem em ramos de desenvolvimento. Johan Hovold mantém uma árvore derivada do Linux 6.16‑rc5 com cerca de 50 patches extras. Segundo o roadmap, grande parte desse trabalho deve entrar no mainline até o ciclo do Linux 6.18, alinhando‑se a notícias como Linux 6.11 terá suporte à GPU Snapdragon X Elite.
# Exemplo simplificado de build
make -j$(nproc) deb-pkg
Dica: assine os pacotes .deb
resultantes para facilitar upgrades futuros.
Problema #3: Firmware não no LVFS – a lacuna nas atualizações
O LVFS facilita atualizações de BIOS e firmware no Linux, mas nenhum OEM colocou, ainda, cápsulas UEFI dos laptops WoA no serviço. Usuários acabam mantendo firmware defasado ou extraindo atualizações manualmente do Windows — processo arriscado. Pressionar fabricantes via canais de suporte e mostrar os benefícios de segurança de estar no LVFS é fundamental.
Desafios adicionais: drivers específicos, câmera e documentação
Além dos três pilares, persistem obstáculos em drivers de toque, sensores de luminosidade, gestão térmica e partições de restauração proprietárias que confundem instaladores.
Problema #4: Firmware específico de dispositivo – a falta de interesse dos fabricantes
Embora o upstream linux‑firmware inclua blobs básicos do Qualcomm X Elite, fabricantes como Dell e HP ainda não submeteram firmware exclusivo para botões especiais e LEDs. Sem esses arquivos:
- Recursos premium permanecem inativos.
- A confiança no Linux como alternativa viável diminui.
Lenovo, com o T14s Gen 6, já mostrou que publicar firmware redistribuível é possível.
Problema #5: Câmera – funcionalidade com ressalvas e o workaround libcamera GPUISP
Graças aos patches de Bryan O’Donoghue, sensores de câmera iniciam, mas o ISP permanece inacessível. O pipeline libcamera GPUISP compensa, processando imagens via GPU à custa de energia.
Problema #6: Documentação – a necessidade de um guia rápido e página Wiki Debian
Informações sobre X Elite + Linux estão dispersas. Falta um hub oficial no Debian Wiki com um Quickstart cobrindo firmware, kernels e procedimentos de instalação. Contribuir com esse guia é uma ótima forma de novos voluntários começarem.
O caminho à frente: o que a comunidade pode fazer para impulsionar o Debian em ARM64
- Testar kernels experimentais e reportar regressões.
- Empacotar firmware ausente e enviar merge requests.
- Documentar vitórias e percalços no futuro Wiki.
- Dialogar com OEMs sobre licenças redistribuíveis.
- Revisar patches nos mailing lists de ACPI, DT e subsistemas PCIe/USB.
Receitas debos e imagens de instalador: progresso e obstáculos
Ferramentas como debos já constroem um rootfs GNOME instável com DTB embutido:
debos x1e-gnome-unstable.yml
O usuário grava em um USB, inicializa e clona o sistema. Falta, porém, integrar o DTB no debian-installer
e adicionar o modelo ao flash-kernel
.
Um apelo à colaboração: junte-se à Linaro e ao Debian para moldar o futuro do Linux em ARM
A integração de laptops ARM64 depende tanto de empresas quanto de voluntários. Cada teste, bug report e patch enviado aproxima o Debian de uma experiência totalmente suportada nesses notebooks.
Conclusão: Debian em laptops ARM64 – construindo o futuro da computação open source
Os notebooks Qualcomm X Elite provam que o futuro do portátil de alto desempenho é ARM64. Vencer barreiras de ACPI/DT, kernel bleeding‑edge e firmware exigirá colaboração contínua, mas o resultado — um Debian “fora da caixa” nesses laptops — trará diversidade e inovação ao desktop Linux. Participe e ajude a acelerar essa jornada!