Um dos mais conhecidos e veteranos nomes do KDE anunciou publicamente sua saída do projeto após 25 anos de envolvimento contínuo. O desenvolvedor, figura central na criação do Kubuntu e na fundação do KDE neon, publicou em seu blog um texto de despedida no qual relata a trajetória de duas décadas e meia no ecossistema, bem como as razões que o levaram a encerrar sua participação. Segundo o post, a decisão está ligada à dissolução da Blue Systems, ao surgimento da empresa Tech Paladin — liderada por Nate Graham — e a uma profunda discordância sobre o modelo de governança empresarial que deveria guiar a equipe financiada pela Valve.
Do nascimento do Kubuntu ao KDE neon
O autor relembra que ingressou na comunidade KDE no início dos anos 2000, quando ainda era estudante de programação. Ele descreve como encontrou no KDE um espaço de aprendizado em Qt, de vivência nos princípios do software livre e de participação em eventos que moldaram sua carreira. Foi a partir daí que, em parceria com a comunidade Ubuntu, nasceu o Kubuntu, uma distribuição que buscava unir a base do Ubuntu com a experiência de desktop KDE.
Durante aproximadamente uma década, ele liderou esforços para levar o KDE a novas plataformas, participou de negociações com a Nokia no contexto do Plasma Active e chegou a ver o Kubuntu adotado em grandes organizações, como a cidade de Munique e os estúdios da Weta Digital.
Com o fim do financiamento da Canonical, o desenvolvedor descreve como encontrou apoio na Blue Systems, onde pôde continuar seu trabalho através do projeto KDE neon, uma distribuição de referência para a comunidade. Segundo ele, essa foi uma tentativa de reduzir a dependência de empresas externas para levar o KDE até os usuários, embora também tenha enfrentado dificuldades relacionadas à resiliência do sistema de entregas.
O fim da Blue Systems e o início da disputa
No post, o autor relata que no inverno passado participou de um encontro na sede da Blue Systems, onde foi comunicado de que a empresa encerraria suas atividades após anos sem um modelo de negócios definido. Ele descreve o momento como um encerramento “no auge”, já que a equipe havia conseguido firmar uma relação direta com a Valve, responsável por financiar o aprimoramento do Plasma no Steam Deck.

O desenvolvedor afirma que, paralelamente a esse anúncio, Nate Graham já havia fundado a empresa Tech Paladin para assumir as atividades e contratos. Foi nesse momento, segundo ele, que surgiu a discussão sobre o futuro da estrutura empresarial. O autor conta que defendeu a criação de uma cooperativa, inspirada no modelo da Igalia, mas sua proposta foi rejeitada. Segundo o relato, Graham considerou a opção “muito complexa” e manteve a estrutura tradicional de uma empresa sob controle único.
O conflito de visões: cooperativa vs. propriedade única
De acordo com o blog, as divergências se intensificaram em reuniões subsequentes. O desenvolvedor afirma que apresentou uma proposta formal de constituição de uma empresa cooperativa, com divisão igualitária de lucros, estrutura de gestão participativa e garantias de direitos trabalhistas.
Ele alega, entretanto, que sua sugestão foi ignorada e que, semanas depois, foi informado por Graham de que seria excluído de futuras reuniões. No texto, descreve o episódio como um ato de exclusão sem explicação suficiente e interpreta a situação como um comportamento controlador. “E assim terminaram meus 25 anos com o KDE”, escreveu.
Um adeus doloroso e acusações sérias
O aspecto mais sensível do relato está ligado às consequências pessoais da ruptura. O autor afirma que, após sua exclusão, perdeu o contato com colegas de longa data, alguns com quem trabalhou por duas décadas. Ele descreve esse silêncio como doloroso e inesperado, ressaltando que não recebeu sequer mensagens de despedida ou justificativas.
Além disso, o desenvolvedor faz críticas contundentes às práticas de contratação tanto da Blue Systems quanto da Tech Paladin. Segundo ele, todos os membros da equipe atuavam sob contratos de trabalho autônomo, sem vínculo empregatício formal, o que ele classifica como “ilegal, mas difícil de contestar em arranjos internacionais”. Ele alega que tais condições constituem “abusos ilegais dos direitos trabalhistas” e pede que outras organizações evitem apoiar ou financiar a nova empresa.
No plano pessoal, o autor associa a ausência de garantias trabalhistas a perdas significativas em sua vida privada, incluindo dificuldades no processo de adoção de seus filhos. Ele descreve a experiência como devastadora, afirmando que perdeu não apenas o emprego e a carreira, mas também amigos e família. O texto termina em tom melancólico, com a imagem de uma busca por novos rumos fora do universo KDE: “surfando a onda infinita no pôr do sol do meu coliving digital nomad”.