Seu Raspberry Pi agradece: VCHIQ e GPIB deixam o Staging no Linux 6.19

GPIB e VCHIQ ‘se formam’ no mainline, com foco em estabilidade e limpeza de código.

Escrito por
Emanuel Negromonte
Emanuel Negromonte é Jornalista, Mestre em Tecnologia da Informação e atualmente cursa a segunda graduação em Engenharia de Software. Com 14 anos de experiência escrevendo sobre...

As Linux 6.19 staging updates para o -rc1 têm um sabor raro: menos “novidade barulhenta” e mais maturidade mensurável. No pull request enviado por Greg Kroah-Hartman, mantenedor do Staging, o recado é direto: o único item realmente “major” é a formatura de dois subsistemas — GPIB e VC04 — que deixam a área de testes e passam a viver no kernel principal. O resto é o que mantém o Linux saudável: limpeza, correções de segurança e remoção de código problemático, tudo já exercitado no linux-next sem relatos de regressões.

Para quem não respira LKML todo dia, vale a analogia: o Staging é a base de um time e, ao mesmo tempo, um campo de provas. É onde drivers promissores chegam “crus”, passam por refatoração, padronização e revisão intensa. Graduar significa que o código está limpo, previsível e pronto para o “jogo profissional” do mainline — com expectativas mais altas de manutenção e qualidade.

O impacto deste lote aparece até em números: foram 153 arquivos tocados, com 660 inserções e 4962 remoções. Boa parte dessas remoções é “poda” de legado, incluindo a retirada do antigo bcm2835-camera, reduzindo peso morto e dívida técnica.

GPIB e Raspberry Pi: Os Novos Graduados

A destage do GPIB (General Purpose Interface Bus, o IEEE-488 clássico) é uma vitória silenciosa para ciência e indústria. É o barramento que conecta instrumentos de bancada — osciloscópios, multímetros, fontes e cargas eletrônicas — ao PC para automação de testes e aquisição de dados. Ao sair de drivers/staging/gpib/ para drivers/gpib/, o subsistema entra no fluxo “normal” do kernel, com maior previsibilidade para integradores e distribuidores. Também é importante o movimento de headers de UAPI para include/uapi/linux/, sinalizando maturidade do contrato com user space.

E isso não é abstrato: o stack cobre hardware bem conhecido, como adaptadores Agilent 82350B/82357A, caminhos para NI USB, e até opções de bitbang via GPIO — úteis em ambientes embarcados e setups de laboratório com restrições.

Do lado do Raspberry Pi, a graduação do VC04 é, na prática, a oficialização de uma peça crítica: a interface VCHIQ, o canal de comunicação entre a CPU ARM e o firmware/GPU VideoCore IV. O que antes vivia como serviços em staging agora se consolida sob drivers/platform/raspberrypi/, com headers migrando para include/linux/raspberrypi/. O efeito concreto é tratar VCHIQ como estável e suportado upstream, beneficiando uma base enorme de dispositivos Pi que dependem dessa infraestrutura para serviços multimídia e integração com o ecossistema do SoC. Importante: isso não significa que “todo o suporte ao Pi era staging”, e sim que este subsistema específico de serviços VC04/VCHIQ amadureceu e foi reposicionado no lugar correto.

Faxina no Staging

A “limpeza de casa” reforça o tema de qualidade. No Wi-Fi Realtek rtl8723bs, há mudanças que vão além de estética: correções de out-of-bounds read e até stack buffer overflow em parsing de Information Elements (IEs) durante association/beacon, além de remoção de código morto e padronizações (como adoção consistente de offsetof e helpers canônicos para cópia de MAC). É o tipo de trabalho que reduz bugs fantasma e melhora segurança.

Em sm750fb, a manutenção foca em legibilidade e redução de armadilhas (renomeação de identificadores, ajustes para evitar chained assignment e alinhar chamadas). E o Staging também cumpre seu papel de “campo de testes” ao descartar o que não aguenta: um driver I²C quebrado em most foi removido, evitando que código defeituoso sobreviva por inércia.

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