É quase um mantra no mundo da tecnologia: “o Linux roda em tudo”. De supercomputadores a celulares, de geladeiras a torradeiras — o sistema do pinguim conquistou o planeta. Mas será mesmo que o Linux roda em tudo mesmo?
Neste artigo, vamos revelar os lugares onde o Linux não roda — e provavelmente nunca rodará. Sim, eles existem. E os motivos variam desde limitações físicas extremas, arquiteturas incompatíveis, requisitos de segurança nacional, até certificações aeronáuticas inalcançáveis. Todas as afirmações a seguir são baseadas em fatos verificados, normas técnicas e fontes oficiais.
Este é o outro lado da moeda: os limites do Linux. E entender esses limites é tão importante quanto celebrar suas vitórias.
O que é preciso para o Linux rodar?
Mesmo na sua forma mais enxuta, o Linux exige:
- CPU com MMU (Memory Management Unit)
- Arquitetura suportada pelo kernel (x86, ARM, RISC-V, MIPS, PowerPC etc.)
- No mínimo ~512 KB de RAM (alguns projetos bootam com 2 MB)
- Armazenamento mínimo de ~1 MB (com kernel e rootfs compactados)
- Sistema de arquivos e bootloader compatível (u-boot, GRUB, etc.)
Apesar de sua flexibilidade, o Linux não é projetado para todas as situações, como veremos.
1. Sistemas de controle aeronáutico com certificação DO-178C DAL A
Por que o Linux não roda:
Sistemas críticos de aviação civil — como controle de voo, navegação e piloto automático — exigem certificação DO-178C DAL A, o nível mais alto de confiabilidade de software. O Linux nunca foi certificado nesse nível, e dificilmente será, por dois motivos:
- Seu desenvolvimento contínuo impede auditoria de rastreabilidade formal.
- Ele não é um sistema de tempo real determinístico.
Fonte: Green Hills Software – INTEGRITY-178B
O que diz Linus Torvalds?
“Linux is not, and will never be, a hard real-time system. That’s not its goal.”
— Linus Torvalds – LKML, 2005
E a FAA?
Segundo o CAST-32A da FAA:
“Systems built upon general-purpose OSs like Linux must demonstrate deterministic timing behavior, which is extremely difficult without full control of the source and runtime state.”
2. Implantes médicos com firmware de ultra baixa potência
Por que o Linux não roda:
Dispositivos como marca-passos, neuroestimuladores e sensores implantáveis funcionam com baterias que duram mais de 10 anos. Eles operam sobre microcontroladores sem MMU, com menos de 128 KB de ROM e menos de 10 KB de RAM.
Linux simplesmente não cabe nesse perfil nem é energeticamente viável.
Fonte: IEEE – Power Management in Medical Embedded Systems
3. Sistemas bare-metal com restrições extremas de hardware
Por que o Linux não roda:
Em microcontroladores como AVR, PIC e 8051 — com memória entre 4 KB e 64 KB, sem MMU e arquitetura Harvard — o Linux é tecnicamente inviável.
Esses sistemas operam com código escrito diretamente em C ou assembly, sem sistema operacional.
Fonte: Microchip – 8-bit AVR MCUs
4. Equipamentos digitais com firmware fechado e ROM não atualizável
Por que o Linux não roda:
Dispositivos como:
- Calculadoras gráficas fechadas (TI-Nspire, HP Prime)
- Leitores RFID industriais com firmware OTP (One-Time Programmable)
- Alguns controles industriais programados em Assembly
Utilizam firmwares gravados em ROM ou EEPROM com pouco ou nenhum suporte à atualização. Não há espaço físico ou suporte à multitarefa, requisitos do Linux.
Fonte: Texas Instruments – TI-Nspire CX Technical Overview (PDF)
❗ CORREÇÃO IMPORTANTE:
Ao contrário do que foi afirmado em alguns sites, as urnas eletrônicas brasileiras utilizam sim um sistema operacional baseado em Linux desde 2012.
Fonte: TSE – Software da Urna
5. Satélites e sondas com processadores rad-hard legados
Por que o Linux raramente roda:
Sistemas espaciais como Voyager, Cassini, Galileo, James Webb usam processadores RAD750 ou LEON3 com sistemas operacionais como:
- VxWorks (NASA Mars Rovers)
- RTEMS (ESA e Telescópios)
Linux raramente é usado em payloads principais devido à necessidade de determinismo, confiabilidade e footprint reduzido.
Fonte: NASA – Spacecraft OS
Exceções recentes:
- OPS-SAT (ESA) e alguns CubeSats utilizam Linux para payloads secundários.
“Linux is suitable for experimentation and secondary payloads.”
— Ars Technica – NASA Perseverance Software Stack
6. Ambientes militares com restrição total a software aberto
Por que o Linux não roda:
Em setores de defesa de alto sigilo, como:
- Sistemas de comando e controle nuclear
- Centrais de criptografia
- Redes táticas protegidas
A exigência é de sistemas proprietários, auditáveis internamente e fechados por padrão. Vários países impõem políticas explícitas de não utilização de software livre nesses contextos.
Fonte: Kaspersky – Astra Linux no Ministério da Defesa da Rússia
Sistemas utilizados:
- Astra Linux (Rússia)
- Kylin OS (China)
- SE-VMS (EUA – legado militar)
7. Dispositivos simples sem multitarefa
Por que o Linux não é necessário:
Sensores de temperatura, cronômetros digitais, relés eletrônicos, controle de LEDs — todos funcionam com firmware bare-metal baseado em máquinas de estado.
Rodar Linux nesses dispositivos seria desperdício de recursos e energia.
Fonte: Embedded.com – When not to use an OS
Glossário analítico
Termo Técnico | Definição Didática |
---|---|
RTOS | Sistema Operacional de Tempo Real |
MMU | Unidade de Gerenciamento de Memória |
Firmware OTP | Firmware gravado uma única vez (não atualizável) |
Bare-metal | Código executado diretamente no chip |
DO-178C DAL A | Certificação aeronáutica de confiabilidade máxima |
Conclusão: O Linux é quase onipresente — mas não absoluto
O Linux roda em quase tudo — de servidores a celulares Android — mas não em tudo.. Os lugares onde o Linux não roda são ambientes com:
- Arquiteturas sem suporte
- Requisitos extremos de energia e simplicidade
- Certificações críticas inatingíveis por sistemas generalistas
- Restrições políticas ou militares
E isso não é uma fraqueza. É uma decisão de projeto. O Linux foi feito para ser flexível, auditável e modular — mas não determinístico, congelado ou criptograficamente isolado.
Saber onde ele não deve estar é tão importante quanto entender como o Linux funciona.