Em meio à intervenção judicial, Oi faz “milagre”: desliga 80 mil estações de cobre e estreia sua rede digital 100% em nuvem

Crise na gestão, milagre na engenharia: como a Oi matou sua rede de cobre e renasceu em uma plataforma 100% digital em nuvem.

Escrito por
Emanuel Negromonte
Emanuel Negromonte é Jornalista, Mestre em Tecnologia da Informação e atualmente cursa a segunda graduação em Engenharia de Software. Com 14 anos de experiência escrevendo sobre...

Enquanto a Oi encara a sua maior crise corporativa, sob gestão judicial e com risco real de liquidação provisória, os engenheiros da operadora entregaram algo que, em qualquer outro contexto, ocuparia manchete de case de inovação: toda a antiga rede de cobre da telefonia fixa foi aposentada e substituída por uma Oi rede digital em nuvem, operando a partir de apenas duas estações digitais no país inteiro.

Em termos simples: a infraestrutura que historicamente sustentou o tráfego de voz do Brasil foi redesenhada no meio de um incêndio corporativo. E, para completar o paradoxo, até os orelhões – símbolo de um passado analógico – ganharam nova vida via satélite, em parceria com a Hughes.

Crise sem precedentes, entrega sem desculpas

Desde 30 de setembro, a Oi está sob gestão judicial determinada pela 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro. A antiga administração foi afastada, a liquidação provisória foi decretada e depois prorrogada, e a operação passou a ser supervisionada por interventores enquanto se discute o futuro da companhia – incluindo a possibilidade real de desmonte.

Agora, imagine o cenário: decisões estratégicas travadas, clima de incerteza interna, fornecedores em alerta e o Judiciário acompanhando cada movimento. Mesmo assim, nesse ambiente de “UTI corporativa”, a área técnica conseguiu coordenar um projeto nacional de digitalização que envolveu:

  • 258 operadoras em 27 estados
  • Mais de 4.325 rotas de tráfego de voz e dados migradas
  • Substituição de uma infraestrutura que somava 370.000 km de cabos de cobre e 80.000 estações legadas

É como tentar demolir e reconstruir um prédio de 80.000 apartamentos e substituí-lo por dois arranha-céus modernos — tudo isso enquanto o condomínio está falido, em litígio, e com um administrador judicial controlando cada gasto. Foi exatamente esse tipo de “reforma na falência” que a Oi acabou de executar.

De 80.000 estações para apenas duas

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O marco mais impressionante não é só desligar a velha rede de cobre – é o redesenho completo da topologia.

Antes, a telefonia fixa da Oi se apoiava em cerca de 80.000 estações espalhadas pelo país, cada uma um ponto físico de potencial falha, custo de manutenção, energia, espaço, refrigeração, equipe. Agora, todo esse backbone de interconexão foi consolidado em apenas duas estações digitais, localizadas no Rio de Janeiro e em Minas Gerais.

Por trás disso está a plataforma UCS, uma solução de telefonia em nuvem que substitui a linha fixa tradicional por uma linha fixa que usa a internet como meio de transmissão. Em vez de comutação TDM em hardware dedicado, a nova Oi passa a operar com:

  • Telefonia IP e PABX IP
  • Interconexão entre operadoras via SIP
  • Serviços essenciais hospedados em infraestrutura de nuvem

O resultado prático para o ecossistema é uma rede com menos pontos de conexão, mais estável, mais simples de integrar – especialmente para pequenos e médios provedores regionais que se interligam com a Oi para completar chamadas. Em uma frase: sai o legado analógico espalhado, entra um “core” digital compacto, programável e muito mais barato de operar.

O que muda para usuários e provedores

Para o usuário comum, nada disso aparece na tela do smartphone ou no velho telefone fixo da avó. Mas a consequência é direta: chamadas mais estáveis, interconexão menos sujeita a falhas e uma base técnica mais preparada para serviços de próxima geração (como voz totalmente IP e ofertas corporativas avançadas).

Para as 258 operadoras conectadas à Oi – incluindo ISPs regionais que dependem da infraestrutura da tele para completar chamadas ou criar rotas de trânsito – a digitalização significa interlocução em um padrão moderno, baseado em SIP, com menos “gambiarras” entre o mundo IP e a velha rede de cobre.

Em pleno debate sobre a sobrevivência da empresa, essa entrega técnica também muda o tom da conversa: se a Oi for fatiada ou absorvida, o que estará na mesa não é mais uma massa de sucata analógica, e sim uma plataforma de Oi pronta para ser integrada a outros grupos.

O futuro do orelhão é via satélite

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Em meio à intervenção judicial, Oi faz “milagre”: desliga 80 mil estações de cobre e estreia sua rede digital 100% em nuvem 4

E aí entra o detalhe mais simbólico de todos: os orelhões.

Por muitos anos, a narrativa dominante foi a de que o telefone público estava condenado à extinção – vítima de vandalismo, custo de manutenção alto e da ascensão do celular. Na prática, porém, ainda existem milhares de localidades brasileiras onde o orelhão é, literalmente, o único ponto de contato com o mundo exterior.

Em vez de simplesmente desligar esse serviço, a empresa fez o oposto: atualizou. Em parceria com a americana Hughes, a Oi migrou os orelhões para operação via satélite, garantindo conectividade em mais de 7.000 pontos, sobretudo em comunidades remotas que ainda dependem da telefonia fixa como recurso essencial de comunicação.

É um gesto técnico, mas também político e social: no momento em que a marca Oi é associada a crise, dívida e recuperação judicial, a imagem que chega a quem vive no interior profundo é a de um aparelho funcionando melhor, em locais onde nem sempre há 4G, muito menos fibra.

Um milagre de engenharia em um paciente em estado crítico

A história da Oi escancara um contraste incômodo – e revelador – do setor de telecom brasileiro. A mesma empresa que passou anos acumulando decisões ruins, endividamento e brigas regulatórias conseguiu, no seu momento mais frágil, coordenar uma migração de infraestrutura que muitas operadoras saudáveis hesitariam em tocar.

Do ponto de vista de gestão judicial, isso mostra que, apesar da paralisia típica de processos complexos, ainda há espaço para decisões técnicas estratégicas quando o objetivo é preservar a continuidade de um serviço essencial. Do ponto de vista de engenharia, a mensagem é clara: a velha rede de cobre morreu, mas a inteligência acumulada nas equipes de rede da Oi ainda é um ativo de grande valor para qualquer futuro comprador, parceiro ou sucessor.

Em um mercado onde se fala tanto em 5G, fibra e nuvem, a digitalização silenciosa da interconexão fixa talvez seja um dos movimentos mais importantes de 2025 – justamente porque garante que tudo isso continue em pé. Se o futuro da marca Oi é incerto, o da sua infraestrutura, agora 100% digital, ficou um pouco mais claro.

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