Seu data center pode ter imposto zero com o REDATA; entenda o novo marco legal de data centers no Brasil

Novo regime tributário promete imposto zero para data centers de IA em troca de energia limpa, P&D e capacidade dedicada ao Brasil.

Escrito por
Emanuel Negromonte
Emanuel Negromonte é Jornalista, Mestre em Tecnologia da Informação e atualmente cursa a segunda graduação em Engenharia de Software. Com 14 anos de experiência escrevendo sobre...

O governo brasileiro acaba de fazer algo que, em termos de infraestrutura digital, se parece bastante com um pequeno Plano Marshall: usar o poder tributário para redesenhar onde e como o país processa seus dados. A Medida Provisória (MP 1.318/25) criou o Regime Especial de Tributação para Serviços de Datacenter (REDATA), um novo marco legal voltado a data centers de IA (Inteligência Artificial), nuvem e computação de alto desempenho.

A ideia central é simples, mas ambiciosa: reduzir a dependência de data centers estrangeiros, atrair investimentos bilionários e, ao mesmo tempo, amarrar esses incentivos a um pacote rígido de obrigações ambientais e de inovação. Alberto Carbonar e Natália Costa, que analisaram em detalhe o texto, resumem bem o espírito da medida: aliviar o bolso com incentivos fiscais, mas apertar o compromisso com energia limpa, P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) e soberania digital.

Na prática, o REDATA Marco Legal Data Center é um grande pacto entre Estado e setor privado. O governo oferece a cenoura da desoneração tributária, porém exige o bastão de metas obrigatórias em ESG e inovação.

O “custo Brasil” de US$ 7 bilhões em nuvem

Antes de olhar para os incentivos, vale entender o problema que o REDATA tenta atacar.

Hoje, cerca de 60% das cargas digitais brasileiras são processadas no exterior, o que significa que boa parte da nossa economia digital roda em infraestrutura que não está em solo brasileiro. Isso se traduz em dois tipos de vulnerabilidade: econômica (saída de divisas e déficit) e estratégica (dependência de terceiros para serviços críticos).

Segundo os dados destacados por Carbonar e Costa, em 2024 o país teve um déficit de aproximadamente US$ 40 bilhões em produtos elétricos e eletrônicos, e US$ 7,1 bilhões em serviços de telecomunicações e computação. Esse número é, na prática, o tamanho da conta que o Brasil paga para consumir tecnologia e infraestrutura digital de fora.

Por que é tão difícil competir com data centers de outros países? Um dos motivos é o famoso “custo Brasil”: operar um data center por aqui custa, em média, 30% a mais, principalmente por causa da carga tributária sobre equipamentos de TIC (servidores, storages, roteadores, sistemas de refrigeração e assim por diante). Em um negócio de margens apertadas, essa diferença de 30% praticamente expulsa os grandes investimentos para outros mercados.

É aí que entra o REDATA, tentando equalizar o jogo.

O que é o REDATA, afinal

A Medida Provisória 1.318/25 altera a Lei 11.196/2005 e cria um regime especial para instalação, ampliação e modernização de serviços de data center no Brasil, com foco explícito em computação em nuvem, processamento de alto desempenho e treinamento e inferência de modelos de IA.

A MP já está em vigor desde a publicação, mas ainda precisa ser convertida em lei pelo Congresso Nacional, com prazo de apreciação até 16 de novembro de 2025. Até lá, pode receber emendas e ajustes de redação. Em outras palavras, o desenho fino do marco legal ainda pode mudar, mas o recado político e econômico já foi dado.

Podem se habilitar ao regime as empresas que implementarem projetos de instalação ou ampliação de data centers no território nacional. Na prática, estamos falando de grandes operadores de infraestrutura, provedores de nuvem, companhias de telecom, big techs e, potencialmente, novos players interessados em construir clusters de IA no país.

Os incentivos: a “cenoura” tributária para data centers de IA

Do lado dos benefícios, o pacote é generoso. O REDATA prevê a suspensão do pagamento de tributos federais sobre equipamentos de tecnologia da informação e comunicação destinados ao ativo imobilizado dos data centers habilitados. Entram nessa cesta:

  • PIS/Cofins, inclusive na importação
  • IPI sobre produtos de TIC (com exceções específicas para a Zona Franca de Manaus)
  • Imposto de Importação para equipamentos sem similar nacional ou enquadrados em regras específicas

Essa suspensão não é apenas um “desconto temporário”. Uma vez cumpridas as obrigações do regime e incorporados os bens ao ativo imobilizado, a suspensão se converte em alíquota zero, isto é, vira uma desoneração definitiva sobre aqueles equipamentos.

O objetivo explícito é derrubar aquela diferença média de 30% no custo operacional, tornando o Brasil competitivo para projetos de grande porte em IA, HPC e nuvem corporativa. Em paralelo, o programa é apresentado dentro da Política Nacional de Datacenters, amarrada à estratégia industrial mais ampla da Nova Indústria Brasil, com estimativas de investimentos privados na casa de trilhões de reais na próxima década.

Só que esse “passe livre” tributário vem com um selo verde e tecnológico embutido.

As exigências do REDATA: ESG e P&D obrigatórios

Para entrar e permanecer no REDATA, as empresas não precisam apenas gastar em CAPEX. Elas assumem um conjunto de obrigações estruturais, que mudam o padrão de como se constrói e opera um data center no país.

Entre os principais compromissos, estão:

1. Energia 100% limpa e eficiência hídrica

Os data centers habilitados devem utilizar 100% de energia elétrica proveniente de fontes limpas ou renováveis, seja por contratos de suprimento ou autoprodução. Além disso, precisam atender a parâmetros rígidos de eficiência no uso de água, com índice de eficiência hídrica (WUE) igual ou inferior a 0,05 L/kWh.

Na prática, significa que o incentivo fiscal só vale para quem operar com uma pegada ambiental de ponta, alinhada às melhores práticas globais de ESG.

2. P&D obrigatório, com foco em desenvolvimento regional

Outro pilar é a obrigação de investir 2% do valor dos equipamentos incentivados em projetos de P&D e inovação, em parceria com ICTs, universidades ou entidades do ecossistema tecnológico. E não é um P&D qualquer: pelo menos 40% desses recursos devem ser aplicados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Ou seja, o REDATA força uma desconcentração geográfica da inovação, tentando evitar que todo o benefício se concentre apenas no eixo Rio–São Paulo. É um jeito de transformar racks e servidores em capital intelectual distribuído pelo país.

3. Capacidade reservada ao mercado interno

As empresas habilitadas também devem destinar, no mínimo, 10% da capacidade de processamento para o mercado interno, inclusive com possibilidade de oferta gratuita de capacidade para órgãos públicos e instituições de pesquisa. Isso garante que uma parte relevante da infraestrutura fomentada pelo regime efetivamente sirva à economia e à ciência brasileiras, em vez de apenas hospedar workloads globais.

4. Governança de dados e LGPD sem atenuantes

A adesão plena à LGPD e às normas de segurança da informação não é um detalhe burocrático, é uma condição central. Os operadores são responsáveis pela gestão e conformidade de todo o ambiente, com auditorias independentes anuais para verificar se:

  • a capacidade destinada ao mercado interno está sendo cumprida
  • os critérios ambientais e de P&D estão sendo respeitados
  • o tratamento de dados pessoais segue as exigências legais

O descumprimento das condições pode levar à suspensão dos benefícios, ao cancelamento da habilitação e à exigência de recolhimento de todos os tributos suspensos, com juros e multas. Em casos mais graves e persistentes, a exclusão do regime é automática, e a empresa só pode tentar retornar após um período de carência.

Um marco para IA, soberania digital e a economia de dados

Quando você junta todos esses elementos, o desenho que emerge é claro: o REDATA não é apenas um desconto fiscal para comprar servidores mais baratos. Ele é um instrumento de política industrial que tenta alinhar quatro objetivos ao mesmo tempo:

  1. Reduzir o custo Brasil e tornar o país competitivo para receber grandes investimentos em IA, nuvem e computação de alto desempenho.
  2. Reverter a dependência externa, trazendo para dentro do território nacional uma fatia maior das cargas digitais que hoje rodam em data centers estrangeiros.
  3. Acelerar a transição verde, exigindo que a nova infraestrutura digital já nasça baseada em energia limpa e em padrões avançados de eficiência.
  4. TurbinAR o ecossistema de inovação, amarrando benefícios fiscais a investimentos estruturados em P&D, com foco em universidades, ICTs e equilíbrio regional.

Se o programa vai entregar tudo isso, ainda é cedo para cravar. O texto da MP pode ser alterado no Congresso, e boa parte da efetividade do regime dependerá de decretos e regulamentos que detalharão critérios técnicos, métricas de auditoria e prazos de comprovação. Mas uma coisa já está colocada: o Brasil finalmente tem um marco legal específico para data centers, com um pacote claro de incentivos e contrapartidas.

Para quem planeja construir ou expandir infraestrutura de IA no país, o tabuleiro mudou.

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