A Samsung, referência mundial em tecnologia de displays, avalia uma decisão que soa quase paradoxal, utilizar telas OLED da BOE em smartphones da linha Galaxy S a partir de 2026. A possível parceria com a fabricante chinesa surge em um contexto de forte pressão econômica, no qual a era da inteligência artificial elevou drasticamente os custos de produção de dispositivos topo de linha. Mesmo dominando o mercado de painéis OLED, a empresa sul-coreana busca alternativas para manter competitividade, margens de lucro e preços menos agressivos ao consumidor.
O movimento não acontece por acaso. O encerramento de uma longa disputa judicial entre Samsung Display e BOE, o encarecimento de memórias e processadores voltados para IA e o exemplo de concorrentes como a Apple ajudam a explicar por que a Samsung considera abrir espaço para um fornecedor chinês em um dos seus produtos mais emblemáticos. Para o mercado, trata-se de uma mudança estratégica que pode redefinir a cadeia de suprimentos dos smartphones premium.
O fim da guerra judicial: Por que agora?
Durante anos, a relação entre Samsung Display e BOE foi marcada por disputas legais envolvendo patentes de telas OLED, processos de fabricação e propriedade intelectual. Esses conflitos impediram qualquer aproximação comercial relevante, especialmente no fornecimento de painéis para aparelhos de alto valor agregado, como a linha Galaxy S.
Em novembro de 2025, porém, as empresas chegaram a um acordo que colocou fim aos principais litígios. O entendimento criou um novo cenário jurídico, no qual a Samsung passou a ter liberdade para negociar com a BOE sem o risco de novos processos. Esse fator é determinante para explicar o timing da possível parceria, já que, até então, qualquer cooperação seria juridicamente arriscada e comercialmente inviável.
O acordo também reflete uma tendência mais ampla do setor, grandes fabricantes buscam reduzir conflitos prolongados e focar em eficiência, inovação e escala, especialmente em um mercado cada vez mais pressionado por custos elevados e ciclos de produto mais curtos.

O papel dos royalties no acordo
Um ponto central do entendimento entre Samsung Display e BOE está no pagamento de royalties pelo uso de tecnologias patenteadas. Em vez de disputas judiciais, a BOE passa a compensar financeiramente a Samsung pelo uso de determinados processos e soluções técnicas relacionadas a painéis OLED.
Para a Samsung, isso representa uma vantagem dupla. Além de reduzir riscos legais, a empresa consegue monetizar sua propriedade intelectual mesmo quando não fornece diretamente o display. Já para a BOE, o acordo permite acesso legal a tecnologias maduras, acelerando sua evolução técnica e aumentando a confiabilidade dos seus painéis para aplicações premium.
A pressão dos custos: IA e memórias empurram a Samsung para a China
A incorporação massiva de IA embarcada mudou radicalmente a estrutura de custos dos smartphones de ponta. Processadores mais complexos, como os futuros Exynos e Snapdragon com unidades neurais dedicadas, exigem litografia avançada, consomem mais energia e demandam soluções térmicas mais sofisticadas. Tudo isso eleva o custo final do aparelho.
Paralelamente, os preços de memórias LPDDR e armazenamento UFS seguem em alta, impulsionados pela demanda por processamento local de modelos de IA, recursos de fotografia computacional e funções generativas. Nesse cenário, a tela, tradicionalmente um dos componentes mais caros de um smartphone premium, torna-se um ponto estratégico para otimização de custos.
Avaliar o uso de telas OLED da BOE na Samsung não significa, necessariamente, abrir mão de qualidade, mas sim diversificar fornecedores para equilibrar o orçamento geral do dispositivo. Produzir todos os painéis internamente pode colocar a Samsung em desvantagem frente a concorrentes que já adotam cadeias de suprimento mais flexíveis e globalizadas.
Além disso, a produção em larga escala na China oferece vantagens claras, custos operacionais menores, alta capacidade industrial e rapidez na adaptação à demanda global. Esses fatores tornam a BOE uma opção cada vez mais atraente do ponto de vista econômico.
Qualidade em xeque: As telas da BOE são tão boas quanto as da Samsung?
A principal preocupação do público é se as telas OLED da BOE conseguem manter o padrão de qualidade historicamente associado aos smartphones Galaxy, especialmente nos modelos mais caros da linha. A Samsung Display sempre se destacou em aspectos como brilho máximo, eficiência energética, uniformidade do painel e calibração de cores, características valorizadas por usuários exigentes.
A BOE, por sua vez, enfrentou críticas no passado relacionadas a controle de qualidade e consistência de produção. No entanto, a empresa evoluiu de forma significativa nos últimos anos. Atualmente, fornece painéis OLED para modelos específicos de iPhone, embora a Apple ainda reserve os displays mais avançados para Samsung e LG.
Isso indica que a BOE é capaz de atender padrões elevados, ainda que com limitações em volume ou especificações extremas. Uma estratégia plausível para a Samsung seria utilizar painéis da BOE em versões base da linha Galaxy S, mantendo os displays próprios nos modelos Ultra, onde recursos como brilho extremo, taxa de atualização adaptativa avançada e fidelidade de cores são mais críticos.
Essa segmentação permitiria reduzir custos sem comprometer a identidade técnica dos modelos mais premium, preservando a confiança do consumidor mais exigente.
Conclusão: O que o consumidor ganha (ou perde) com isso
A possível adoção de telas OLED da BOE na Samsung para a linha Galaxy S em 2026 reflete uma postura pragmática diante de um mercado cada vez mais caro e competitivo. Para o consumidor, o principal benefício potencial é a contenção de preços, ou ao menos a redução do impacto dos aumentos inevitáveis causados pela IA e por componentes avançados.
Por outro lado, existe o risco de pequenas diferenças na qualidade do display, especialmente para usuários mais atentos a brilho, uniformidade e fidelidade de cores. Ainda assim, para a maioria do público, essas diferenças podem ser imperceptíveis no uso cotidiano.
No fim, a decisão da Samsung será um teste de equilíbrio entre custo, qualidade e percepção de marca. Se bem executada e comunicada com transparência, a estratégia pode manter a linha Galaxy S competitiva sem comprometer sua reputação técnica.
E você, se importaria em pagar cerca de sete mil reais por um Galaxy equipado com uma tela fabricada por uma empresa chinesa?
