Linus Torvalds quase chamou o Linux de ‘Freax’: a história bizarra por trás do nome original

Escrito por
Emanuel Negromonte
Emanuel Negromonte é Jornalista, Mestre em Tecnologia da Informação e atualmente cursa a segunda graduação em Engenharia de Software. Com 14 anos de experiência escrevendo sobre...

A incrível e quase desconhecida história de como o Linux quase foi batizado de “Freax” e o papel decisivo de um simples diretório de FTP.

Todo grande projeto começa com uma ideia… mas nem sempre com o nome certo. Imagine se o sistema operacional que hoje roda em bilhões de dispositivos ao redor do mundo não se chamasse Linux, mas sim Freax. Pois foi exatamente esse o nome que Linus Torvalds pensou inicialmente para o kernel que mudaria a história da computação.

Essa é uma história tão inusitada quanto reveladora: mostra como decisões aparentemente banais, como nomear uma pasta de FTP, podem redefinir o futuro da tecnologia. Este artigo mergulha nos bastidores do nome original do Linux, revelando como Freax quase foi adotado e por que a escolha final — Linux — moldou o projeto de maneira irreversível.

O nascimento do Linux e a busca por um nome (1991)

Em 1991, Linus Torvalds, estudante da Universidade de Helsinque, começou um projeto pessoal: desenvolver um kernel inspirado no MINIX. Ele queria criar algo que fosse seu, que não dependesse de licenças rígidas, e que pudesse evoluir com liberdade.

Em seu famoso post no grupo comp.os.minix, Linus escreveu:

Hello everybody out there using minix -
I'm doing a (free) operating system (just a hobby, won't be big and professional like gnu)...

O projeto ainda não tinha nome. Para Linus, isso parecia apenas um detalhe — afinal, ele mesmo dizia que não estava criando algo “grande e profissional”.

Para iniciantes: por que o nome importa?

Escolher o nome de um sistema operacional é como escolher o nome de uma marca, ou até de um filho. O nome será usado por empresas, comunidades, jornalistas e usuários por décadas. Ele precisa ser memorável, transmitir confiança e funcionar em múltiplos contextos. O sucesso de um projeto pode ser moldado, ou sabotado, pelo nome que carrega.

“Freax”: a ideia inicial de Linus Torvalds

A primeira sugestão de Linus para nomear seu kernel foi Freax — uma mistura criativa e provocativa: “free” (livre), “freak” (excêntrico) e “x” (remetendo ao Unix). Para ele, o nome capturava a essência de algo livre, estranho, fora do convencional — e com um toque nerd.

“Freax” não era apenas um nome — era um manifesto de irreverência contra os sistemas formais e fechados da época.

No entanto, Linus nunca levou esse nome totalmente a sério. Em seu livro Just for Fun, ele afirma que “Freax era mais uma piada interna do que uma proposta real”. Ele o usou temporariamente nos arquivos fonte do projeto, e o nome chegou a aparecer em comentários de código e arquivos readme nas versões 0.01 do kernel, como mostram repositórios históricos.

Um nome com carga provocativa

Na época, Linus vivia tensões públicas com Andrew Tanenbaum, criador do MINIX. Tanenbaum defendia a arquitetura microkernel e criticava o modelo monolítico escolhido por Linus. O nome Freax também era uma forma irônica de cutucar essa autoridade acadêmica, posicionando seu projeto como algo excêntrico, alternativo e fora do padrão.

O “x” como modismo técnico

Nos anos 80 e 90, nomes de sistemas operacionais com “x” no final eram comuns — como Xenix, AIX, IRIX. Era uma maneira de remeter ao Unix e dar “credibilidade técnica” ao nome. Tanto Freax quanto Linux seguiram essa tendência de nomenclatura.

A intervenção de Ari Lemm: como o Linux ganhou seu nome

Enquanto o código evoluía, Linus precisava de um local para hospedar seu projeto. Pediu a Ari Lemmke, colega e administrador do servidor FTP da Universidade de Tecnologia de Helsinque, para criar um diretório público.

Ao invés de usar “Freax”, Ari batizou a pasta de:

/pub/linux

Segundo entrevista concedida à Linux Journal, Ari achava que Freax “soava estúpido” e optou por algo mais direto, baseado no nome do próprio Linus — algo que julgava mais “apresentável” para um software promissor.

“Usei Linux porque era o nome do dono do projeto. Simples assim.”
— Ari Lemmke

Linus ficou surpreso com a mudança, mas não se opôs. Com o tempo, passou a adotar o nome, especialmente quando percebeu a receptividade da comunidade.

“Parece meio egocêntrico, não é? Mas não fui eu quem escolheu, então está tudo bem.”
— Linus Torvalds (Just for Fun)

O poder de um nome: por que “Linux” foi a escolha certa (e “Freax” não seria)

O nome “Linux” se mostrou um acerto em todos os aspectos.

Comparativo de percepção

CritérioFreaxLinux
SonoridadeAmbígua, agressivaClara, curta, moderna
Percepção pública“Aberração”, potencialmente ofensivoNeutra, associada ao criador
Branding visualDifícil de representar graficamenteFacilitado pelo mascote Tux
Adoção empresarialImprovávelViável e institucionalizável

Além disso, o nome “Linux” ajudou na aceitação corporativa, permitindo sua adoção por empresas como IBM, Red Hat e Google.

O desconforto inicial de Linus

Apesar da força do nome, Linus hesitou inicialmente, por achar egocêntrico usar seu próprio nome. Mas, com o tempo, compreendeu o impacto da escolha — e como o projeto já havia superado o controle individual, tornando-se da comunidade.

Outras curiosidades sobre nomes no Linux

O domínio linux.org não foi criado por Linus

Ao contrário do que muitos pensam, o domínio linux.org foi registrado por Jon “maddog” Hall e outras figuras da comunidade. Linus nunca tentou controlar centralmente a marca Linux — o que revela o espírito descentralizado do projeto.

Tentativa de registro abusivo da marca “Linux”

Nos anos 90, William Della Croce tentou registrar “Linux” como marca comercial nos EUA e ameaçou processar empresas que o usavam. Linus precisou agir juridicamente para retomar o controle, e assim nasceu o Linux Mark Institute, responsável por licenciar o nome sob uso controlado.

Outras histórias de nomes marcantes

  • Ubuntu: palavra africana que significa “humanidade para com os outros”.
  • Debian: junção de Debra (namorada de Ian Murdock) e Ian.
  • Arch Linux: nome inspirado em arquitetura elegante e minimalista.

O legado da quase-Freax: o que aprendemos sobre nomes e projetos open source

A história de Freax mostra que:

  • Nomes moldam futuros: um bom nome fortalece adoção, identidade e visibilidade.
  • A comunidade tem voz: mesmo sendo o criador, Linus aceitou a escolha da comunidade.
  • Open source é orgânico: o Linux não teve branding planejado — cresceu de forma espontânea.

Essa lição se estende a projetos futuros: o nome, o símbolo e a narrativa precisam estar alinhados com os valores que o software representa.

Glossário analítico de termos técnicos

Kernel: O núcleo do sistema operacional, que faz a ponte entre o hardware e o software. É como o motor do carro: sem ele, nada funciona.

MINIX: Um sistema educacional criado por Andrew Tanenbaum, usado como base para estudo de sistemas operacionais.

FTP: Protocolo de transferência de arquivos. Imagine uma “estante digital” onde arquivos são depositados e acessados.

Open source: Modelo de desenvolvimento colaborativo e transparente. Como uma receita aberta que qualquer um pode modificar.

Branding: Processo de construção de marca. Inclui nome, logotipo, percepção e valores associados.

Conclusão

O sistema que hoje conhecemos como Linux poderia ter nascido com o nome excêntrico de Freax. Mas graças a uma decisão casual — ou talvez intuitiva — de Ari Lemm, o projeto ganhou um nome memorável, forte e simbólico. O próprio Linus aceitou essa mudança, reconhecendo que o impacto do nome ia muito além de sua vontade pessoal.

Essa história bizarra, quase cômica, é uma das muitas curiosidades da história do Linux. E nos lembra que, no universo do software livre, até mesmo a escolha de um nome pode mudar o mundo.

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