Fedora é uma das distribuições Linux mais populares e influentes, mas também é conhecida por ter padrões rigorosos sobre o tipo de software que inclui em seus repositórios. Recentemente, a equipe do Fedora anunciou que iria remover todos os pacotes que contêm código licenciado sob a licença Creative Commons Zero (CC0), uma decisão que gerou muitas críticas e debates na comunidade de software livre.
Mas por que o Fedora tomou essa medida drástica? E o que isso significa para os desenvolvedores e usuários que dependem de código CC0? Neste post, vamos tentar explicar os motivos por trás dessa escolha e as implicações que ela tem para o futuro do Fedora e do software livre em geral.
O que é CC0?
CC0 é uma licença criada pela organização Creative Commons, que tem como objetivo facilitar o compartilhamento de obras criativas sem restrições legais. Ao licenciar uma obra sob CC0, o autor renuncia a todos os seus direitos autorais e domínio público sobre ela, permitindo que qualquer pessoa a use, modifique e distribua livremente, sem a necessidade de atribuição ou permissão.
CC0 é uma licença muito simples e permissiva, que pode ser usada para diversos tipos de conteúdo, como textos, imagens, músicas, dados e código. Muitos projetos de software livre usam CC0 para disponibilizar seu código-fonte, especialmente aqueles que lidam com algoritmos, bibliotecas ou utilitários simples, que não requerem muita documentação ou manutenção.
Por que o Fedora rejeitou o CC0?
A razão principal pela qual o Fedora decidiu excluir o código CC0 de seus repositórios é que essa licença não é compatível com algumas leis de direitos autorais de certos países, especialmente aqueles que não reconhecem o conceito de domínio público. Em alguns lugares, como a Alemanha, o Japão e a França, não é possível renunciar completamente aos direitos autorais sobre uma obra, mesmo que o autor assim deseje. Isso significa que, nesses países, o código CC0 pode estar sujeito a restrições legais que impedem seu uso livre e irrestrito.
Além disso, o Fedora argumenta que o CC0 não é uma licença adequada para código-fonte, pois não oferece nenhuma garantia ou proteção legal para os desenvolvedores e usuários. Por exemplo, o CC0 não contém nenhuma cláusula de isenção de responsabilidade ou limitação de responsabilidade, que são comuns em outras licenças de software livre. Isso significa que, se alguém usar código CC0 e causar algum dano ou prejuízo a terceiros, o autor original pode ser responsabilizado por isso.
O Fedora também afirma que o CC0 não é uma licença livre no sentido da Free Software Foundation (FSF), pois não atende aos quatro requisitos essenciais da definição de software livre: a liberdade de executar, estudar, modificar e distribuir o programa. Segundo o Fedora, o CC0 falha no segundo requisito, pois não garante o acesso ao código-fonte do programa. Isso pode acontecer se alguém distribuir um programa binário baseado em código CC0 sem fornecer o código-fonte correspondente.
Quais são as consequências dessa decisão?
A decisão do Fedora de banir o código CC0 de seus repositórios tem várias consequências para os desenvolvedores e usuários do sistema operacional. A primeira delas é que alguns pacotes populares e úteis deixarão de estar disponíveis no Fedora, como por exemplo:
- jq: um processador leve e flexível de JSON.
- discount: uma implementação rápida e confiável do Markdown.
- xxHash: um algoritmo de hash extremamente rápido.
- zopfli: um algoritmo de compressão otimizado para arquivos PNG.
- libdwarf: uma biblioteca para manipular informações de depuração em formato DWARF.
Esses pacotes terão que ser removidos dos repositórios oficiais do Fedora e movidos para os repositórios RPM Fusion ou COPR, que são mantidos por terceiros e não seguem as mesmas políticas do Fedora. Isso significa que os usuários terão que instalar esses pacotes manualmente, o que pode ser inconveniente e inseguro.
A segunda consequência é que os desenvolvedores que usam ou querem usar código CC0 em seus projetos terão que reconsiderar sua escolha de licença, se quiserem que seus programas sejam incluídos no Fedora. Eles terão que optar por outra licença mais compatível com as leis de direitos autorais e com os padrões do Fedora, como por exemplo:
- MIT: uma licença muito simples e permissiva, que permite qualquer uso do código, desde que se mantenha uma cópia da licença e do aviso de direitos autorais.
- BSD: uma licença similar à MIT, mas que exige que se mencione o nome dos autores em qualquer propaganda ou material promocional relacionado ao programa.
- Apache: uma licença mais detalhada e robusta, que oferece mais proteção legal aos desenvolvedores e usuários, como por exemplo, uma cláusula de patentes e uma cláusula de marca registrada.
- GPL: uma licença copyleft, que exige que qualquer programa derivado do código original seja distribuído sob a mesma licença, garantindo assim a liberdade de todos os usuários.
A terceira consequência é que o Fedora pode perder parte de sua reputação e popularidade entre a comunidade de software livre, que pode ver essa decisão como uma forma de censura ou restrição à liberdade de expressão dos desenvolvedores. Muitos defensores do CC0 argumentam que essa licença é uma forma de contribuir para o bem comum e para o domínio público, e que o Fedora está ignorando ou desrespeitando essa intenção.
Por outro lado, alguns apoiadores do Fedora elogiam essa decisão como uma forma de garantir a qualidade e a segurança do sistema operacional, e de respeitar as leis e os direitos autorais de cada país. Eles afirmam que o CC0 é uma licença inadequada e arriscada para código-fonte, e que o Fedora está apenas sendo prudente e responsável ao excluí-la.