Ubuntu lança Debcrafters: nova equipe turbina manutenção do Archive e pagará contribuidores para trabalhar em outras distros Linux

Escrito por
Emanuel Negromonte
Emanuel Negromonte é Jornalista, Mestre em Tecnologia da Informação e atualmente cursa a segunda graduação em Engenharia de Software. Com 14 anos de experiência escrevendo sobre...

Debcrafters: o Ubuntu aposta na colaboração entre distros e inaugura uma nova fase no open source

O ecossistema Linux acaba de ganhar um reforço de peso. A Canonical, empresa por trás do Ubuntu, anunciou a criação dos Debcrafters, uma nova equipe dedicada a revitalizar e modernizar a manutenção do Ubuntu Archive — o coração pulsante da distribuição, que armazena milhares de pacotes e dependências essenciais. Mas a novidade não para aí: em um movimento surpreendente e sem precedentes, a Canonical também revelou que irá pagar contribuidores para trabalharem um dia por semana em outras distribuições Linux, como Debian, Arch Linux, NixOS e Fedora.

Essa iniciativa ousada visa não apenas fortalecer o próprio Ubuntu, mas fomentar um ecossistema mais saudável, colaborativo e sustentável no universo open source. Com isso, a Canonical sinaliza um novo capítulo em sua relação com a comunidade de desenvolvedores, colocando a interoperabilidade e a valorização do trabalho técnico no centro da estratégia de longo prazo da distribuição.

Apresentando os Debcrafters: a nova equipe da Canonical para o Ubuntu Archive

A equipe Debcrafters nasce com uma missão clara: garantir a saúde estrutural, a coesão e a continuidade do Ubuntu Archive, que muitas vezes funciona nos bastidores, mas é absolutamente crítico para a estabilidade e qualidade do sistema. Esse repositório abriga pacotes vindos diretamente do Debian, mas também mantém integrações, adaptações e ferramentas específicas para o Ubuntu.

Com os Debcrafters, a Canonical visa tornar esse processo mais transparente, resiliente e inovador, reforçando sua importância como espinha dorsal do sistema.

A missão principal: saúde e integridade do Ubuntu Archive

O Ubuntu Archive é mais do que um repositório de pacotes — ele representa uma gigantesca teia de interdependências, transições, políticas de versão e ciclos de testes. Os Debcrafters assumem a responsabilidade direta por manter esse ecossistema em funcionamento, com foco em transições complexas de bibliotecas como glibc, t64 e python3, correções de empacotamento, e depuração de falhas no autopkgtest infrastructure.

Vale destacar que o Ubuntu Archive é alimentado por uma sincronização constante com o Debian unstable, que serve de base para muitos pacotes. A equipe então adapta, integra e testa esses pacotes conforme os requisitos do Ubuntu, realizando uma curadoria técnica fundamental para garantir compatibilidade, performance e segurança.

A transição T64, por exemplo, é uma das mais críticas atualmente. Ela substitui representações antigas de tempo (time_t) por formatos de 64 bits (time64_t) para evitar o “bug do ano 2038”, exigindo reconstruções profundas em bibliotecas essenciais como glibc e musl.

Estrutura e composição da equipe: expertise global em empacotamento

A nova equipe é formada por engenheiros experientes em empacotamento Debian, integração contínua (CI), testes automatizados, e ciclo de release. Eles trabalharão em estreita colaboração com desenvolvedores do Debian e membros do ecossistema Linux mais amplo, promovendo a troca de conhecimento e a sinergia entre projetos.

Os Debcrafters também atuarão como mentores para novos contribuidores, integrando-os a um fluxo de trabalho moderno e bem documentado, com trilhas claras de aprendizado técnico e comunitário.

Ferramentas e processos: modernizando o workflow de empacotamento no Ubuntu

Manter o Ubuntu Archive envolve lidar com ferramentas como lintian, autopkgtest, git-ubuntu, Snapcraft, Rockcraft e Charmcraft. Os Debcrafters estão desenvolvendo novas abordagens para integrar essas ferramentas a um fluxo mais ágil, confiável e automatizado.

Esse processo visa garantir que os pacotes enviados passem por validações consistentes, sejam facilmente testáveis e promovam um ecossistema de empacotamento mais previsível e sustentável.

O Debcraft: a futura ferramenta unificada para pacotes .deb

Um dos grandes destaques do projeto é o desenvolvimento da ferramenta debcraft. Inspirada em abordagens modernas de desenvolvimento orientado por workflows, a debcraft pretende unificar e simplificar o empacotamento no Ubuntu, oferecendo uma experiência mais coesa tanto para iniciantes quanto para desenvolvedores avançados.

O objetivo é criar um ecossistema onde tarefas comuns — como build, teste, envio e revisão de pacotes — possam ser feitas de forma integrada e reutilizável, respeitando as diretrizes tanto do Ubuntu quanto do Debian.

Inspirando-se no Debian: tag2upload e git-debpush

O modelo da nova ferramenta debcraft e do workflow dos Debcrafters toma como referência ferramentas como tag2upload e git-debpush, já utilizadas no Debian para simplificar o envio e a revisão de pacotes. Ao incorporar essas práticas, o Ubuntu aproxima-se ainda mais do Debian, encurtando o ciclo entre upstream e downstream e fortalecendo a coesão entre os projetos.

Essa sinergia também facilita o trabalho colaborativo com mantenedores de outras distros, reduzindo o atrito técnico e aumentando a portabilidade dos pacotes.

Aprimorando o testing e a documentação

Um dos pilares da nova equipe é o fortalecimento da infraestrutura de testes (autopkgtest) e da documentação oficial. A expectativa é que novos contribuidores possam iniciar sua jornada por meio de guias claros como o Ubuntu Project Docs e o Ubuntu Packaging Guide, apoiados por exemplos práticos e pipelines de CI acessíveis.

Esse reforço na documentação e na testabilidade dos pacotes é essencial para escalar a colaboração e reduzir o tempo de resolução de falhas.

Atraindo contribuidores: uma jornada do iniciante ao ‘Core Dev’

Para garantir a continuidade do projeto, os Debcrafters estão estabelecendo um novo Contributor Journey, um caminho claro que leva o iniciante até os níveis mais altos de confiança técnica dentro do projeto, como o status de Core Developer.

Um Ubuntu Core Developer tem permissões de upload irrestritas aos repositórios principais e papel decisivo na manutenção da base do sistema. Os Debcrafters trabalham para que esse caminho esteja mais bem documentado, acessível e integrado à realidade moderna do empacotamento.

O novo ‘Contributor Journey’ para desenvolvedores Ubuntu

O plano da Canonical é tornar o processo de contribuição mais acessível, com passos bem definidos, reconhecimento público e uma política clara de crescimento dentro da comunidade. Isso inclui acesso a Engineering Sprints como o que ocorreu recentemente em Frankfurt, onde a equipe discutiu de forma aberta as melhorias no empacotamento, testes e documentação.

Durante o Sprint de Frankfurt, os Debcrafters definiram a adoção de workflows baseados em Git, expansão do uso de tag2upload, e maior integração com pipelines de CI — avanços que pavimentam o caminho para um modelo mais colaborativo e auditável.

Crescendo a base de contribuidores de todas as gerações

A Canonical reconhece que o ciclo de vida das comunidades open source exige renovação constante. Por isso, o foco está em atrair novos contribuidores jovens, sem perder a conexão com os desenvolvedores veteranos.

Com a entrada dos Debcrafters, a meta é reequilibrar essa balança e garantir que o Ubuntu tenha uma comunidade vibrante, diversa e técnica por muitos anos.

Colaboração além do Ubuntu: uma política inovadora para o ecossistema Linux

Mas talvez o ponto mais ousado da iniciativa seja o incentivo explícito à colaboração cross-distribution. Em vez de isolar seus engenheiros, a Canonical quer vê-los contribuindo com projetos como Debian, Arch Linux, NixOS, Guix, Fedora, Universal Blue e outras distros baseadas em pacotes .deb ou que compartilhem infraestrutura comum.

O valor da colaboração cross-distribution

Essa abordagem parte do entendimento de que o sucesso de uma distribuição open source está intimamente ligado à saúde e ao progresso do ecossistema como um todo. Investir na melhoria do Debian ou na manutenção de ferramentas como lintian e autopkgtest é, na prática, investir no próprio futuro do Ubuntu.

É uma visão madura, que substitui a competição pelo trabalho colaborativo em prol do bem comum.

Canonical pagará por contribuições em outras distros Linux

Sim, é isso mesmo. A Canonical irá remunerar desenvolvedores para dedicarem um dia por semana exclusivamente à contribuição em outras distribuições. Essa política inédita busca aproximar especialistas experientes e criar pontes entre comunidades que antes atuavam de forma isolada.

O gesto é também um recado claro: a Canonical entende que valorizar o trabalho técnico fora do seu “quintal” é estratégico para toda a cadeia de inovação open source.

Benefícios para o Ubuntu e para o ecossistema Linux mais amplo

A expectativa é que essa política traga benefícios diretos para o Ubuntu, como melhor alinhamento com upstreams, pacotes mais estáveis, integração facilitada de novas tecnologias, e até o aumento de confiança da comunidade global.

Essa modernização do Ubuntu Archive também terá impacto direto em projetos como o novo Ubuntu Immutable e o instalador Subiquity, que dependem de imagens reprodutíveis, consistentes e altamente testadas.

Para o ecossistema Linux, o impacto pode ser ainda maior: menos retrabalho entre distribuições, melhores ferramentas compartilhadas, e uma cultura renovada de colaboração técnica.

Conclusão: Debcrafters – um novo capítulo para o Ubuntu e a colaboração open source

Com os Debcrafters, a Canonical não está apenas reforçando a base técnica do Ubuntu. Está também inaugurando uma nova era de abertura, colaboração e valorização do trabalho comunitário. Ao investir no ecossistema como um todo, a empresa reafirma seu compromisso com os valores do software livre e planta as sementes de um futuro mais interoperável, sustentável e inovador para todas as distribuições Linux.

Se essa iniciativa vai dar certo? Só o tempo dirá. Mas uma coisa já é certa: o Ubuntu acaba de lançar um desafio audacioso — e inspirador — para todo o mundo open source.

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